Caldas das Taipas a (des)propósito XLIII
Envergando o cargo de Presidente da Direcção do CART, Centro de Actividades onde tinha a responsabilidade estatutária de lhe associar a componente cultural, no ano de 1998 sabendo das comemorações do centenário do nascimento do escritor e tendo encontrado na tipografia do amigo Barros os cartazes alusivos, logo ali estabelecendo contactos com a terra natal do escritor, Ossela conheci o Carlos Castro e os dirigentes do Grupo Cultural e Recreativo de Ossela, e a minhas expensas próprias em Fevereiro de 1999 trouxe para Caldas das Taipas e no fim levei a Exposição foto-biográfica da literatura castriana, realizei debates e conferências com especialistas a quem tudo paguei do meu bolso e em nome CART tudo se organizou, exposição, feira de livro castriana, conferência e debates ao redor do escritor como testemunha a placa do pedestal do busto. Não foi iniciativa do CAR de Guimarães como está escrito no livro Ferreira de Castro e(m) Guimarães, mas sim e tão somente uma iniciativa e organização do CART das Taipas. A presença do Dr. Santos Simões deveu-se à amizade que nutríamos, ambos éramos membros da Sociedade Martins Sarmento. Fica aqui este registo em abono da verdade.
De referir que também nas Taipas havia fotógrafo, o Snr. Santos da Lamarts onde o escritor revelava fotografias que aqui retractava e que muitos castrianos procuram encontrar, mas em vão, eu mesmo em 27/11/2013 falei com sua única filha, a Dr. Elsa Beatriz Martines Muriel Ferreira de Castro respondeu, que as fotografias se teriam perdido. Ainda assim sou portador dalgumas que o escritor tirava, e pouquíssimas vezes cedia cópias aos retractados. A propósito duma delas, do verão de 1968 e que aqui se mostra, com a devida autorização da sua portadora Manuela Castro no sopé das escadas da casa de sua mãe Luiza onde sua filharada comia os almoços soalheiros, espaço público da Travessa dos Banhos Velhos por onde picavam as galinhas à procura de comida de chão térreo, aqui a Manuela oferece à galinha favorita o seu próprio prato as migalhas de pão que lhe restaram da sua comida.
O escritor facilmente ganhava a confiança do povo, pois dele queria saber coisas, como ia a vida. Indagava sobre o quotidiano e a família, porque é que deixou de ver fulano e beltrano tal era a sua ligação à nossa terra, e, ia sabendo: -Ah o nosso Zé foi prá tropa, está a defender a nossa Pátria no Ultramar. -O meu marido emigrou, foi ganhar a vida lá fora, saiba o senhor, as fábricas da cutilaria estão em crise, não têm que fazer para a semana toda, e eu tenho muitos filhos, não os posso deixar morrer à fome! Relatos que ele divulga nalgumas poucas entrevistas que acaba por dar, pois disso fugia por não gostar de se armar, mas sempre que o fazia quando aqui passava o verão na década de 60 do século XX. faz questão de o ser aqui na vila, diz a todos que o visitem em Caldas das Taipas, todas as cartas que possuo escritas por ele começam pelas palavras Hotel das Termas das Taipas seguido da data, um pormenor de que nunca se esquecia.
Eis aqui uma exposição que foi transmitida ao escritor, demonstrativa da sua atenção e amor a Caldas das Taipas de profundo sentimentalismo e espírito humano que lhe servia de narrativas para os seus romances, recontado agora volvido 60 anos pela protagonista de então, a Celeste tia da Manuela Castro.
- O senhor, o velhinho, sim porque ele já não era muito novo, vinha sempre com a mulher e passava muitas vezes à nossa porta, ia aí pelo Tojal, apreciava os campos, o canal da rega que vinha do rio Febras que até trutas trazia, foi uma pena acabar e ia pela beirada do rio até São Cládio (era assim dito pelo povo). O senhor era muito conversador, falei muitas vezes com ele.
Um dia disse-me: -Acordo todos os dias de madrugada onde durmo ali no Hotel com um barulho “Uuuuu.... Uuuuuuuu........ Uuuuuuuuuu…..”que ainda não percebo o seu significado. Lá lhe expliquei: “Uuuuu.... Uuuuuuuu........ Uuuuuuuuuu….., éramos aos magotes,. O aviso que estávamos a chegar ao sítio de mais uma operária, para esta poder sair de casa em segurança, e se preparar para o caminho da fábrica do Cavalinho, que fazíamos a pé em solipas de pau a partir das 4 e meia da madrugada quer chovesse, nevasse ou fizesse saraiva e tínhamos de lá estar antes das 6 horas. Também havia aquelas que iam pró Arquinho e prá fábrica da malha, como havia as que iam pró Pevidém. A pé só raparigas e algumas mulheres já casadas, levavam os filhos prós deixar mais à frente na casa dalgum familiar. Éramos muitas, quando entrávamos na cidade íamos pela Senhora da Conceição e pela Santa Luzia eramos mais de cem. Os poucos rapazes e homens iam de bicicleta e até alguns de mota ”. Respondeu-me que nunca tinha ouvido e conhecido semelhante caso e tinha andado por todo o mundo a querer saber do modo de viver de cada povoação. Também eu àquela mesma hora ouvia o uivar nocturno, para de seguida sentir o bater da porta de minha casa, lá iam três das minhas irmãs para o Cavalinho trabalhar para levar a vida.
Para logo de seguida lhe acrescentar.” Sabe meu senhor, trabalho desde os 12 anos, antes trabalhava na fábrica do Redufe, andávamos de madrugada o caminho mais perto para a fábrica era pelos montes, ali para os lados de Donim de São Martinho de Campo e de Santo Emilião, sim porque esta fábrica era na Póvoa, levávamos um regador para o tocar, era para espantar os lobos que desciam à procurar de comida, também levávamos tochas mas elas não duravam muito
Quando ido na manhã do sábado deste 17 de Abril, da Praça Conde Agrolongo pela Avenida Trajano Augusto para a apresentação do livro, deambulo por muitas mulheres que me perguntam o que é aquilo que se passa ali ao fundo, e, lá vou respondendo: -É sobre o Ferreira de Castro, aqui há 50 e tal anos, ele andava muito por aqui. -Lembra-se, falou alguma vez com ele, e todas me respondiam que sim, como a Elvira do Artur. Já chegado ao Largo das Termas encontro a Celeste Castro e a Amélia Cardoso numa amena cavaqueira, e a Celeste pergunta-me: -Ó Carlos o que é isto que se passa aqui mesmo em frente a minha casa que eu não sei? Quem responde é a amiga Amélia, mulher do Manuel Leiras o dactilógrafo do escritor com quem eu estivera a falar no dia anterior, e lhe responde por mim, -Ó Celeste é por causa daquele senhor baixinho que no verão andava sempre por aqui de casaco e chapéu, ao que ela nos responde: -Ah, conheci-o e falei tantas vezes para ele! Despedi-me de ambas, depois de lhes ter pedido para se sentarem comigo numa das pedras que ali havia vaga, disseram-me amavelmente que não, que tinham a vida delas, e que não foram convidadas e respondi-lhes que também eu não o fora, mas como é público, embora com o problema da pandemia a realizar-se ao livre e havendo muito espaço eu vim na mesma, não ficaram, subiram ambas a calçada, ficou um até depois.
Logo ali percebi de quem deveria estar como convidados eram estas pessoas com quem me cruzara e outras do seu tempo com muitas histórias e episódios para contar como o que atrás está relatado, que o meu amigo e antropólogo Capela Miguel tão bem descreveria.
Fica para o desafio que muito bem foi lançado à senhora vice-presidente da Câmara e vereadora da Cultura ali presente, que se espera venha a aceitar e promover, a realização duma bienal Camilo/Castriana, frisado bem no local das Caldas das Taipas, que é a nossa terra camiliana e castriana por adopção, Termal, Turística e Capital da Cutelaria pela sua capacidade e oferta.
Caldas das Taipas 30 de Abril de 2021
[ndr] Artigo originalmente publicado no Jornal Reflexo.