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Caldas das Taipas a (des)propósito XLII -Caldas das Taipas, terra castriana

Carlos Marques
Opinião \ sábado, abril 10, 2021
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Agora que se estão a melhorar os caminhos pedonais, fica o convite à criação das rotas castrianas, bem como das camilianas, fervorosos apaixonados pela nossa terra.

Quando há 50 anos, a 17 de abril de 1971, então com 13 anos de idade assisto ao descerramento do busto do escritor Ferreira de Castro pelo próprio autor e na presença duma grande multidão com reportagem jornalística intensa, donde se destaca a da Emissora Nacional e da Televisão, estava longe de imaginar que me tornaria castriano.

Já antes me cruzara diversas vezes aqui na nossa terra, que o escritor escolhera para o veraneio, sem nunca lhe ter botado fala. Chegava em Julho e por vezes só daqui saía em Outubro. Depois da homenagem prestada pelo CAR de Guimarães em 1971 teve mais 3 anos de vida, mas nunca mais o vimos por cá e por causa do busto, porque, como dizia “-Então hei-de passar por mim todos os dias? -Aborrece-me” apenas o fez numa tarde com o grande amigo Jorge Amado. O senhor do chapéu, não sabíamos quem ele era, mas sempre tivemos por ele um grande carinho, admiração e muito respeito, a partir dali seria o senhor escritor, o senhor doutor e deixava de fazer sentido a sua vinda para os sítios idílicos com muitas árvores, onde gostava de ver a lua a falar e a deitar-se no arvoredo e no rio. Falava com os taipenses a saber das pessoas e dos costumes, e assim se inspirava à escrita dos seus romances. Foi aqui que se baseou para uma das suas melhores obras literárias, o “Instinto Supremo”, que a Sociedade Portuguesa de Autores o levara à propositura do prémio Nobel da Literatura, aquele que era o escritor português mais traduzido, que antes já recebera o distinto prémio “Águia de Ouro de Nice”.

Mais tarde, muito mais tarde, quando assumo responsabilidades socias e me pedem em 1996 para voltar à direcção do CART, dedico alguma atenção às questões culturais, como deriva dos próprios estatutos, e, designadamente nas comemorações do centenário do nascimento do escritor trago a Caldas das Taipas uma grande Exposição a 6 de Fevereiro de 1999, realizando uma Feira de Livro, Conferências e Debates, descerrando uma lápida alusiva no pedestal do busto pela mão do meu amigo Santos Simões que convidara e fora o grande impulsionador da homenagem de 1971.

Torno-me sócio do Centro de Estudos Ferreira de Castro em 2001, peço e consigo a adesão da Junta de Freguesia de Caldelas, que, mais tarde no ano de 2017 atribui a medalha de mérito cultural ao escritor, e, na cerimónia da atribuição o presidente da Câmara presente na cerimónia a 19 de Junho diz publicamente ao executivo da junta de freguesia que a Câmara se dispõe a pagar a edição duma obra activa ou passiva do escritor.

Na qualidade de membro do Centro de Estudos participo em várias jornadas de trabalho e evocativas do escritor em Ossela, Oliveira de Azeméis e Sintra, culminando com a visita no ano de 2002 à amazónia no estado brasileiro de Manaus onde tenho à espera o amigo Ângelo, encontrava-se lá por uma questão de amores, e me leva a visitar desde logo o busto do escritor, sito numa das principais praças daquela grande cidade, e donde parto para a selva, encontrar o seringal do Paraíso e o Humaitá, onde muito jovem o escritor trabalhara dos 12 aos 16 anos no seringal, que vem a revelar o drama dos seus operários na sua obra “A Selva”, para onde o escritor sairia por uma questão de amores.

Para a atribuição no dia da vila 19 de Junho de 2017 a José Maria Ferreira de Castro da Medalha de Honra de Caldas das Taipas, concorro a pedido da junta para a elaboração do texto alusivo o escritor e aprovado por unanimidade na Assembleia da freguesia.

Mais recentemente por deferência da Drª Adelina Paula da CMG, quem no pelouro da cultura mais atenção deu às questões da literatura, para no leilão dum importante acervo documental activo e passivo do escritor, o licitar; conquanto a CM de Oliveira de Azeméis levou a melhor cobriu todos os meus lanços, indo muito além do orçamento que me cabia. Ainda assim ficou o acervo muito bem entregue, com acesso público e na terra natal do escritor.

No entretanto fui juntando diversos documentos castrianos, desde logo uma colecção de cartões e cartas que escreve a partir do Hotel das Termas entre 1962 e 1969, além dum imenso trabalho de pesquisa acerca da vida e da obra do escritor, desde logo gravações áudio e de televisão donde se destaca o da inauguração do seu busto a 17 de Abril de 1971. Tendo já cedido esse material a associações, designadamente à biblioteca Raúl Brandão a quem ofereci as obras completas de sua autoria para consulta dos seus leitores, exposições como foi a da Festa da Fraternidade em 8 e 9 de Agosto de 2008, e a investigadores locais, que continuam disponíveis para quem quiser consultar.

Escolho uma das diversas facetas que aqui ocorreram com o escritor, era ele presidente da Sociedade Portuguesa de Escritores, e o júri tinha escolhido para prémio e publicação o romance “Luuanda” de Luandino Vieira, que a censura proibira. Em retaliação a Pide arrasa, destruindo o interior da sede da SPE e dá-a como extinta. A imprensa não-alinhada, decide prestar homenagem a Ferreira de Castro e escolhe a nossa terra, um sítio fora dos grandes centros, pensando que não seriam incomodados pelo regime e realiza aqui, no Hotel das Termas de Caldas das Taipas o “III Encontro da Imprensa Cultural” nos dias 7 e 8 de Agosto de 1965, onde no seu discurso o escritor aborda os condicionalismos que o regime político do Estado Novo limita a expansão cultural no país. Os agentes da Pide infiltraram-se, conotando o encontro como de cunho político moveu perseguições e levantou autos além ao escritor e aos seus organizadores, Joaquim Santos Simões, ao Antonino Dias de Castro, ao cónego Galamba de Oliveira e outros lá presentes.

Do escritor que pelo seu profundo humanismo fora convidado para a eleição para a Presidente da República, e, sempre o rejeitara, deixo qui a parte final da publicação no ano de 1963 dedicado a Caldas das Taipas com o título: A terra onde a lua fala. ”… o arvoredo romântico fala de quimeras e certamente não há lua mais sugestiva e bela do que esta, que ao espelhar-se no rio parece dizer-nos, baixinho, muito baixinho, como se nos prometesse uma doce vida sem fim. –Não partas! Fica e sonha … Eu voltarei amanhã…”

E da mesma forma duma entrevista já no fim da sua vida “…Eu tenho a paixão das árvores, seria infeliz se vivesse num país desarborizado..."

Agora que se estão a melhorar os caminhos pedonais, e a beleza que deles se encanta, fica o convite à criação das rotas castrianas, bem como das camilianas, dois dos mais importantes escritores da língua portuguesa, fervorosos apaixonados pela nossa terra.

 

Caldas das Taipas 29 de Março de 2021

Carlos Marques