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A torre sineira da Igreja de São Salvador de Briteiros (1797)

António José Oliveira
Opinião \ quinta-feira, fevereiro 21, 2019
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A igreja paroquial de S. Salvador de Briteiros, no sopé do Monte de S. Romão, junto à Citânia de Briteiros, não tem merecido, por parte da História da Arte, a atenção que merece.

A igreja paroquial de São Salvador de Briteiros, localizada no sopé do Monte de São Romão, a escassos metros da Citânia de Briteiros, não tem merecido, por parte da História da Arte, a atenção que a sua especificidade justifica. Por esse motivo avançámos com outras reflexões que esclareçam melhor a importância desta igreja no contexto construtivo do Noroeste de Portugal, nos finais do século XVIII. Num nosso artigo, publicado em 2018, no “Boletim de Trabalhos Históricos” demos a conhecer o contrato de obra relativo à edificação da torre sineira, conservado no Fundo Notarial do Arquivo Municipal Alfredo Pimenta. Trata-se de contextualizar esta torre sineira com a obra arquitetónica do conceituado mestre pedreiro Vicente José de Carvalho, natural do reino da Galiza e do seu filho João Manuel de Carvalho, bem como do arquiteto Luís Inácio Barros Lima. Na edificação desta estrutura arquitetónica estiverem envolvidos os melhores técnicos, tanto ao nível da execução como do risco.

A 1 de agosto de 1797, Vicente Carvalho (natural do Reino da Galiza) e o seu filho João Manuel de Carvalho, mestres pedreiros, moradores no lugar da Conceição, freguesia de Fermentões, incubiram-se de uma obra que João Antunes Guimarães, Cavaleiro Professo na Ordem de Cristo e assistente na vila de Guimarães, como procurador do Reverendo Custódio José de Macedo, abade da freguesia de Salvador de Briteiros, queria fazer na Igreja de Briteiros. O ajuste legal foi lavrado no escritório do tabelião Nicolau Pereira, localizado na rua Nova das Oliveiras, em Guimarães, e nele foi estipulado a feitura de uma nova torre sineira na referida igreja. Esta empreitada seria executada por ordem e mecenato de Manuel José Duarte Guimarães. Relativamente a este mecenas não encontrámos até ao momento qualquer referência documental. A única alusão que temos de Manuel José Duarte Guimarães encontra-mo-la na epígrafe existente no primeiro registo da torre sineira inserida em cartela moldurada e rematada por motivos fitomórficos, em granito, cuja leitura é a seguinte:

“MANOEL DUARTE, BRAZILEIRO, DA CASA DAS EIRAS DESTA FREGUESIA MANDOU FAZER ESTA TORRE E DEU O SINO GRANDE EM 1799”

Pelo exposto nesta inscrição, podemos aferir que Manuel Duarte era um emigrante no Brasil, natural da freguesia de São Salvador de Briteiros, concretamente da casa das Eiras e que tinha igualmente financiado a feitura do sino grande em 1799.

Segundo a procuração apresentada e transcrita na íntegra nesta nota notarial, temos conhecimento de que a pedra utilizada nesta obra seria extraída do Monte da Citânia, dessa mesma freguesia. Os mestres pedreiros obrigavam-se a mandarem oficiais para ajudarem no transporte da mesma pedra até ao local da empreitada. Na nossa visita ao interior deste templo encontrámos encrostado na parede junto à torre sineira um ornato tetrásceles castrejo, possivelmente oriundo da Citânia de Briteiros, o que comprova materialmente o que é exposto neste contrato de obra.

O encomendante comprometia-se a fornecer toda a cal e saibro necessário. Segundo a mesma procuração, os mestres pedreiros poderiam “utilizar da pedra da torre que prezentemente existe, e que tiver serventia, para a nova”. A torre anteriormente existente seria desfeita à custa dos mestres comprometendo-se a arrumar toda a pedra. Os artistas fariam à sua custa os alicerces e se por ventura a igreja sofresse qualquer dano durante o desmamtelamento da torre velha e durante a construção da nova torre, os artistas responderiam pelos prezuízos. O Reverendo de Briteiros comprometia-se a pagar pela obra a quantia de 700$000 réis, pagos em quatro prestações, a saber: 1ºpagamento: de 150$000 réis, concluidos os alicerces; 2ºpagamento: de 150$000 réis, finalizadas as sineiras, portas e piramides; 3ºpagamento: de 100$000 ríes, concluída a garganta da cúpula; 4ºpagamento: de 300$000 réis, acabada a torre na forma do risco.

Para a obra, acerca da qual a escritura lavra os apontamentos, tinha-se elaborado previamente, um risco feito pelo Beneficiado Luís Inácio de Barros Lima. O risco foi entregue neste ato notarial aos dois mestres, sendo as mesmas assinadas pelo tabelião e pelos outorgantes. O texto notarial ilustra que os artistas teriam de fazer os seguintes acréscimos:

“huma caza de abobeda no fundo da mesma torre e por baixo da servidão para o choro da igreja para a pia baptismal, e pezos do relogio: hum cano por baixo da torre para dar sahida as agoas dos telhados, e todas as mais serventias que para o dito fim forem precisas haver na dita torre”.

Os dois artistas comprometiam-se a fazer a torre com toda segurança e de grossa e boa pedraria e toda labrada a pico e assentada em cal, sendo que a cantaria seja toda bem lavrada, escudada e sem defeito algum. O encomendador poderia rever a obra conforme as vezes que lhe parecesse, segundo o risco. A obra seria concluida durante o mês de julho de 1798, sob pena dos pedreiros perderem 50$000 réis. Igualmente, por cada mês de atraso na conclusão da empreitada os mestres perderiam 10$000 réis.

Esta torre apresenta como característica ter sido executada posteriormente à construção da igreja, motivando a demolição da torre primitiva e ser uma estrutura tripartida que nobilitou esta igreja paroquial pelas suas extraordinárias dimensões. Esta torre sineira, exemplar magnífico, quer pela importância dos seus executantes e arquiteto de renome, quer pelas suas dimensões, constitui ainda hoje um marco arquitetónico na paisagem desta freguesia.

Bibliografia: OLIVEIRA, António José de – “A construção da torre sineira da Igreja de São Salvador de Briteiros (1797)”, in Boletim de Trabalhos Históricos, Guimarães, Arquivo Municipal Alfredo Pimenta, 3ª série, vol. 7, 2018, pp. 137-160.