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O problema não é (só) o Catar. É a FIFA

Pedro Mendes
Opinião \ quinta-feira, novembro 24, 2022
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Já aqui o escrevi aquando do último Europeu de Futebol, na altura a propósito do ditador Órban: “O Rei vai, manifestamente, nu. O futebol negócio chegou ao cume da insensatez”

Muito se tem falado, principalmente nas últimas semanas, sobre a atribuição do Mundial de Futebol de 2022 ao Catar, nomeadamente devido às gravíssimas restrições às liberdades que o país impõe aos seus cidadãos residentes, principalmente às mulheres, aos emigrantes e às minorias. Não querendo aprofundar em demasia as questões técnicas, o Catar tem um sistema legal em parte baseado na Xaria, e, por exemplo, a homossexualidade pode ser punida com a pena de morte. De tão abjectas, estas questões não merecem grande discussão. São erradas e demonstram que o Catar é, inapelavelmente, um país que não respeita os Direitos Humanos. O que merece efectivamente discussão é que o futebol, enquanto desporto popular, não poderá nunca ficar de fora na luta por esses Direitos Humanos, por muito que a FIFA queira. A FIFA está hoje transformada numa máquina de fazer dinheiro, mesmo que isso se faça à custa das milhares e milhares de vidas que se perderam a construir estádios voluptuosos ou mesmo que isso se faça à custa de trabalho escravo ou semi-escravo. Quando, em 2010, a FIFA atribuiu de uma assentada os Mundiais de 2018 e 2022 à Rússia e ao Catar, já todos sabíamos o que eram a Rússia e o Catar no que à corrupção e respeito pelos direitos humanos diz respeito, da mesma forma que já todos suspeitávamos, e hoje sabemos, que esses Mundiais foram atribuídos com base na compra de votos de algumas associações de futebol, mas a realidade é que poucos se importaram, da mesma maneira que poucos se importam com muitas outras coisas pouco recomendáveis que giram à volta do futebol.

Nos últimos dias temos assistido, caro leitor, a uma série de acontecimentos que revelam bem a natureza da FIFA no que a este assunto diz respeito, desde as infames declarações de Infantino, passando pelo gesto dos jogadores alemães, em protesto pelo facto de a FIFA não os deixar utilizar a braçadeira arco-íris, ou ainda pela ameaça da Federação Dinamarquesa de Futebol em abandonar a FIFA, por causa das pressões para “fechar a boca” em relação, nomeadamente, ao apoio à causa LGBTQI+ e, sem excepção, estes casos demonstram-nos que a FIFA revela um total desprezo pelos direitos humanos, pelos direitos das minorias e pelos direitos dos trabalhadores. A FIFA só quer, como se diz na nossa terra, que a vida lhe corra, e por isso, caro leitor, é que o problema é a FIFA, e não apenas a ditadura Catari.

 

Já aqui o escrevi aquando do último Europeu de Futebol, na altura a propósito do ditador Órban: “O Rei vai, manifestamente, nu. O futebol negócio chegou ao cume da insensatez”, e aquilo que tem de ser feito, e temos também nós, enquanto país, fazer uma reflexão profunda, porque vemos a total passividade da Federação Portuguesa de Futebol em relação a este e outros casos, remetendo a sua posição para campanhas de marketing absolutamente inócuas, aquilo que tem de ser feito, escrevia eu, é acabar com a total impunidade da FIFA, uma entidade, supranacional que passeia alarvemente essa total e completa impunidade, tantas vezes coagindo e ameaçando os seus membros que pensem sequer em recorrer a tribunais civis para dirimir questões legais. Se não for mais, as instituições da União Europeia e todos os estados membros têm de agir, e têm de agir com força e assertividade, para acabar de vez com esta infâmia que, e já não vamos a tempo de o evitar, nos mancha a todos com sangue de vítimas inocentes.