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O fim anunciado dos espaços independentes de música alternativa em Portugal

Pedro Conde
Opinião \ quarta-feira, abril 05, 2023
© Direitos reservados
Tal como prometido, na edição deste mês vamos abordar o tema do fim anunciado dos espaços independentes de música alternativa em Portugal.

Nos últimos anos vivenciamos uma alteração drástica na forma como a cultura nos é fornecida, em especial nos concertos ao vivo de música no nosso país. Durante muito tempo a cultura foi sempre um patinho feio dos orçamentos Municipais por todo o país.

Contudo, a partir dos anos 90, as autarquias começaram a consciencializar-se que com pouco investimento, nesta área, o retorno era muito superior e muito mais rápido comparativamente a outros investimentos, principalmente a nível de impacto social direto. Qual é o Presidente que não gosta de ver uma multidão satisfeita numa festa organizada por si?? Assim, foram gradualmente engordando os investimentos nesta área, sem uma política geral organizada, como é claro, nem um mínimo planeamento de fundo a médio ou longo prazo. O aparecimento das “Casas das Artes”, dos “Centros Culturais”, ou dos “Festivais/meses da Cultura” foram exponenciais.  

O resultado foi automático e direto. Primeiro, os cachets das principais bandas inflacionaram na proporção da procura municipal (toda a gente sabe que “se for para a Câmara, é mais caro”, sendo que este fenómeno é geral, e a cultura apenas acompanhou a tendência geral de outros setores), e temos cachets altíssimos, principalmente quando comparados com bandas estrangeiras, com projeção internacional.

Logo de seguida, e na nossa melhor tradição nacional, apareceu uma nova classe de agentes culturais, os “Subsídio Dependentes” (Não me vou alargar muito neste assunto, porque tenho as palavras contadas do artigo, por isso, o ideal será deixar para uma nova crónica 😉), que se profissionalizaram em absorver esta nova valência municipal e passaram a controlar este novo fluxo.

Por último, o público em geral ficou desabituado a pagar bilhete nos espetáculos. Todas as bandas são fornecidas em concertos que podemos ver sem nenhum custo, por isso, deixa de fazer sentido pagar bilhete à porta. Parece positivo visto assim, contudo, temos de pensar que isto não passa de uma “maça envenenada”, em que o “Lápis azul” do poder político está presente, e não se enganem meus amigos, ele existe e está ativo. Porque acham que os cartazes parecem repetidos e as bandas parecem sempre ser as mesmas? Que é uma coincidência?

E onde ficam os espaços Culturais independentes?? Não ficam… e desaparecem. É impossível concorrer com esta realidade de uma forma privada sustentável, onde os cachets aumentaram, e o público já não quer pagar bilhete. Os senhores que mandam não deveriam esquecer estes espaços, que na minha opinião são importantíssimos, e deveriam fazer parte do circuito municipal cultural, com investimento e financiamento cultural público, mas com gestão e programação privada e independente. A cultura tem de ser sinónima de liberdade, e são nestes espaços independentes que grande parte da cultura alternativa é produzida. Sobretudo, para formas de arte que nunca terão espaço direto nos grandes palcos, nem é direcionada para grandes massas. Estes contraciclos culturais estão a perder espaço e corremos o risco de quebrar este ecossistema já por si frágil de produção cultural, fazendo que a cultura se torne algo muito mais pobre e cinzento, sem capacidade de se reinventar e multifacetar, quase sempre pré-programado e pré-definido por padrões sociais, e acima de tudo, seguindo interesses e agendas políticas.

Nunca a Cultura deveria ser controlada pelo poder político, com o risco de se perder esta que é também uma das principais formas de reivindicação e de contestação popular.   

Sugestões musicais

No departamento de novas bandas, venho apresentar-vos os Bracarenses Travo. Sem ter ouvido nada deste projeto, tive oportunidade de os ver ao vivo na Missa do Galo (evento da Elephante Musik e dos Estúdios Lobo Mau em Guimarães), no ano passado e fiquei verdadeiramente surpreendido. Um rock grave e sónico, de uma potência fora do comum, com guitarras muito bem trabalhadas que nos levam de cenário em cenário. Sonoridades com toques muito interessantes que vão desde o rock psicadélico dos anos 70 ao melhor rock sónico dos Smashing Pumpkins dos anos 90.

David Ferreira (baixo), Gonçalo Carneiro (guitarra, sintetizadores), Gonçalo Ferreira (voz, guitarra, sintetizadores) e Nuno Gonçalves (bateria) formam Travo, coletivo bracarense que lançou um disco no início do ano passado, Sinking Creation, (mais um dos filhos pródigos do fantástico GNRATION, que brevemente iremos analisar nas nossas crónicas mensais), que está disponível nas plataformas digitais da banda que podem e devem ouvir…