Não assobiemos para o lado
Se no primeiro artigo deste mês reduzi a análise dos desafios que 2025 nos traria enquanto comunidade, obviamente de um ponto de vista local, com as eleições autárquicas, expando, neste artigo, a amplitude da análise dos desafios que teremos não enquanto comunidade local, mas enquanto comunidade universal e global – isto é, enquanto sociedade, que continua com a tendência cada vez mais perigosa de sorrir e assobiar para o lado sempre que uma coisa aparentemente engraçada acontece. A questão é a seguinte: os tempos que vivemos não são para brincadeiras. E a História ensinou-nos isso – mas continuamos a assobiar para o lado.
Em 2021, o candidato derrotado nas Eleições Presidenciais nos Estados Unidos incitou a uma invasão do Capitólio. Assobiámos para o lado. Este ano, novamente eleito, perdoou os invasores. Este ano, novamente eleito, deu um claro sinal ao Ocidente ao não dedicar uma única palavra à Europa e à Guerra no seu discurso. Este ano, novamente eleito, deu um claro sinal ao Mundo ao reservar um lugar de destaque para três dos quatro mais ricos do mundo. Este ano, novamente eleito, empoderou Elon Musk, CEO da Tesla e proprietário do X que, convicta e muito tranquilamente, repetiu a saudação nazi, apoia a extrema-direita alemã, pedindo que o país esqueça o passado hitleriano e começa a ser proposto por deputados europeus para vencedor do Prémio Nobel da Paz. Vamos continuar a assobiar para o lado?
Vladimir Putin nunca escondeu o seu projeto imperialista para a Rússia. Nunca escondeu a sua admiração por Estaline e pelo seu legado, do qual fez parte enquanto agente do KGB. Assobiámos para o lado. Iniciou o seu projeto, invadindo a Ucrânia. Apela constantemente a um patriotismo russo, com um espírito quase soviético, sem ter medo dos meios que usa para atingir os seus fins. Sabemos hoje que cerca de 30% do seu orçamento é para defesa, portanto, manifestamente superior ao orçamento europeu. Prevenindo-se de um potencial conflito, a Suécia preparou um plano de defesa para a sua população e noticiou-se uma posição preventiva do Reino Unido. Para além disto, sabemos que Putin financia a extrema-direita russa e a europeia, qual grande czar que apela a um passado não muito longínquo. Vamos continuar a assobiar para o lado?
Em 2019, era criado em Portugal, um partido antissistema que se inscrevia na matriz ideológica da extrema-direita. Um partido de culto ao líder, que se apresenta com uma aura quase messiânica, qual Dom Sebastião que aparecia entre o nevoeiro. Este partido elegeu um deputado em 2019 e, em 2022, doze. Em 2023, convocaram um cerco ao Largo do Rato, à sede nacional de um partido da democracia portuguesa. Assobiámos para o lado. Hoje têm uma bancada de 50 deputados o que significa que são a terceira força política nacional. Hoje põem constantemente em causa a dignidade e a urbanidade do Parlamento. Hoje, mentem descaradamente nas intervenções que fazem, criam sensações falsas e usam constantemente bodes expiatórios para os problemas que criam, numa atitude que quase parece ser uma ressonância hitleriana do século passado.
E a Europa, como se apresenta para este conflito? Sozinha. Os antigos Aliados despareceram. Os aliados são agora outros, ao comando dos donos do mundo. Como reagirá a Europa a um eventual terceiro conflito mundial? Ninguém sabe. Mas, embora haja muitos que resistem a estes avanços dos lobos, continuamos a fazer de conta que está tudo bem. Por isso, 2025 desafia-nos ao seguinte: não assobiemos para o lado, porque poderá ser tarde de mais.
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