Helter Skelter e bom Halloween!
Os Beatles foram na minha opinião uma das maiores bandas de sempre da história da música. Além de recordistas mundiais a nível de vendas, marcaram a história pela sua capacidade de inventar e experimentar como nunca tinha sido feito até aí, criando um novo género de música, que posteriormente influenciou milhares de músicos e bandas durante décadas, mesmo até aos dias de hoje.
Contudo, e dado estarmos em mês de Halloween, o tema hoje é diferente, e vou falar-vos de um dos episódios mais macabros na nossa história moderna, ligado à música dos Beatles, recentemente retratado no filme de Tarantino “Era uma vez… em Hollywood”, ligado incontornavelmente a um dos temas da banda, a Helter Skelter. Vamos falar sobre os assassinatos de Charles Manson e como a música dos Beatles o influenciou.
Lançada em novembro de 1968 no disco White, Helter Skelter é considerada uma das músicas mais icônicas dos Beatles, especialmente diferenciadora pela sua sonoridade. Além disso, é em muitos aspetos revolucionária para o seu tempo, quer a nível de registo sonoro, com guitarras altas e distorcidas, quer pela forma como quebra com as linhas de tudo que se tinha criado até ao momento, sendo considerada para muitos como um dos primeiros temas de hard rock ou de heavy metal.
Até aqui tudo ok, o problema surge ali por volta dos finais dos anos 70, com uma interpretação completamente desviada desta música, protagonizada por Charles Manson.
Por esta altura este senhor passava a vida a recrutar jovens de famílias ricas, fragilizados, que encontrava a viver pelas ruas da Califórnia, para a sua seita. Toda a sua filosofia era centrada na sua própria figura, passando a ideia a estes jovens que ele seria o seu guia, e uma espécie de divindade com poderes de clarividência.
A sua seita tinha como base um antigo rancho na Califórnia, “Spahn Ranch”, onde ele e os seus discípulos passavam os dias a realizar diversos rituais, amplamente ligados à música, sempre com muitas drogas à mistura, e com um cariz marcadamente sexual. A sua atividade principal era sustentada principalmente de pequenos roubos, e diversos esquemas de extorsão realizados por estes jovens que acreditavam em Manson e o seguiam como se fosse um novo Messias.
Manson acreditava e passava a ideia aos seus discípulos que o White Álbum dos Beatles estava repleto de mensagens feitas para guiá-lo a uma guerra racial. Apesar de ver significados deturpados extremos em mais músicas, a canção que norteava toda sua filosofia, era a Helter Skelter. Segundo ele, a música falava de uma batalha final na Terra, em que os homens de raça negra tentariam impor uma soberania aos homens de raça branca, história que terminaria obrigatoriamente em tragédia. Mais tarde, em entrevista para a Rolling Stone, o Manson referiu exatamente isso, que Helter Skelter seria veículo de revolução, e que os Beatles sabiam disso perfeitamente, mesmo que de uma forma inconscientemente.
Assim, Manson decide gravar um álbum para passar exatamente esta mensagem, e difundir as suas teorias, para que as pessoas soubessem desta revolução. Para isso pediu ajuda ao produtor Terry Melcher, que automaticamente recusou todas as suas pretensões e cortou todo o tipo de relação com Manson ao perceber das suas intensões.
Poucos dias depois, em agosto de 1969, a Família Manson (nome que foi posteriormente dado aos discípulos de Manson), seguindo a espiral descontrolada das teorias de Manson, invadiu a antiga casa de Melcher e assassinou Sharon Tate (que, entretanto, tinha ido viver para lá com o seu companheiro Roman Polansky), que estava grávida, e os amigos que a atriz hospedava. Nunca ficou claro se a intensão foi efetivamente deixar um recado sobre a dita “revolução”, (visto que os criminosos escreveram vários nomes de músicas dos Beatles nas paredes onde a Helter Skelter tinha grande destaque), ou se seria simplesmente uma ação de vingança contra Melcher pelo facto de não ajudar Manson. Facto é que foram os novos inquilinos da casa que foram apanhados no sítio errado à hora errada, e sofreram da brutal violência desta ação macabra. O cenário deixado foi horrível, tendo todas as mensagens sido escritas na parede com sangue das vítimas.
Este não seria o único caso que envolveu Manson e os membros da sua família. Eles assassinaram Rosemary e Leno LaBianca, com o mesmo modus operandi, invadindo a casa do casal e deixando as mesmas mensagens nas paredes. A diferença foi que fizeram isso de uma forma totalmente aleatória, provando os níveis de maldade de Manson e seus seguidores. Curiosamente, o próprio Charles Manson nunca assassinou ninguém sendo que todos os homicidas eram seus seguidores, e realizaram todos estes crimes sob o seu comando.
A questão que se põe é, mas será que existe de fato alguma referência à guerra e ao apocalipse na música Helter Skelter?
Como podem imaginar, esta associação do tema aos assassinatos foi motivo de fazer correr muita tinta. Em entrevista para a Rolling Stone em 1970, John Lennon comentou que “não fazia ideia que a Helter Skelter tinha a ver com matar pessoas.” Na verdade, a expressão helter skelter é simplesmente uma referência a uma máquina de diversão de um parque de temático, que tem uma espiral em torno de uma torre que visitaram. Na música, a analogia a esta máquina de diversão foi apenas usada de uma forma simbólica para falar da ascensão e queda do império romano. Era uma metáfora para o que aconteceu, desde o auge do império à sua queda e declínio brusco, intenso e caótico igual ao que acontecia na torre de diversão Helter Skelter. Segundo McCartney, essa foi a imagem que lhe veio à mente quando compôs a música.
Como podem ver e confirmar, a mente humana é mesmo a única coisa que podemos e devemos ter medo neste Halloween!
Para completar a história e como curiosidade deixo-vos também a história do processo particularmente árduo que foi a gravação da Helter Skelter. Foram necessários dezenas e dezenas takes de gravação e a banda esteve prestes a desistir. Não esquecer que nesta altura não existia a gravação multipistas, nem o “corta e recomeça”. Os takes tinham de ser perfeitos, com todos os músicos a tocar e a gravar ao mesmo tempo, sendo que ninguém se podia enganar. No dia em que a versão oficial foi gravada, os Beatles precisaram de 18 takes seguidos. Essa é a razão pelo que no fim da música dá pra ouvir Ringo gritando I’ve got blisters on my fingers!
[nrd. Artigo originalmente no Reflexo de Novembro]