Apocalipse Zombie e os The Guys From The Caravan
Ora bem, antes de começar o artigo deste mês, tenho uma correção a fazer relativamente ao meu artigo de abril. O Festival North Music Fest não teve paragens na sua história, tendo apenas, como é óbvio – e tal como aconteceu com todos os eventos do género –, interrupções nas edições de 2020 e 2021 devido à Covid. Por isso, peço desculpa. Foi um lapso meu, fruto da confusão (a idade avança e a cabeça começa a baralhar-se). Obrigado ao meu amigo Fonseca por estar atento. Grazie mille!!
Correções feitas, avancemos então. Começo por dizer que estou a escrever este artigo à luz das velas, com a bateria que resta do meu Mac. Hoje é 28 de abril e estamos a experienciar uma nova realidade – pelo menos a nível ibérico –, o Apagão. Zero eletricidade, zero comunicações, zero internet. De repente, tudo parou.
Tal como no início de todos os bons filmes de apocalipse, cheguei a casa (o trabalho terminou mais cedo, visto que não conseguimos trabalhar sem eletricidade) e o caos já estava instalado. A GNR controlava os acessos às bombas de combustível, havia filas intermináveis, tudo a discutir, buzinar e reclamar. Montes de pessoas a correr para comprar água, latas de atum, pilhas, lanternas e rádios a pilhas – que, por incrível que pareça, são hoje muito mais raros do que se pensa.
Com este cenário instalado, resolvi voltar para casa e achei que seria uma ótima altura para escrever este artigo. Até porque já tinha passado o prazo de entrega há uns dias, e isto podia muito bem ser um sinal de Deus de que estava na altura de o fazer. Mesmo sem eletricidade, ficou carga suficiente no meu Mac – claros sinais da providência!
E assim, resolvi começar a escrever. Mas claro, sempre super atento à janela do meu quarto, para ver se ouvia sirenes antiaéreas a anunciar o aproximar de caças bombardeiros ou, eventualmente, alguém a começar a andar às dentadas (nos filmes de zombies é sempre assim: confusão e logo a seguir, mordidelas).
Hoje foi o dia em que, mais uma vez, consegui comprovar que a nossa sociedade é extremamente frágil. Basta cortarem-nos a eletricidade e tudo se desmorona. Quinze dias disto e andávamos de paus e pedras a lutar por água e papel higiénico.
E, a divagar sobre este assunto, lembrei-me de um episódio no Bar N101 que demonstra a mudança das pessoas e dos tempos. Estávamos algures entre 2009 e 2010, e tínhamos no N101 tudo preparado para um concerto dos The Guys From The Caravan, uma banda lisboeta de folk pop/rock que teve relativo sucesso na altura, chegando a ter airplay em rádios nacionais como a Antena 3 (por isso, julgo que, se a internet voltar e pesquisarem, conseguem facilmente encontrar registos e ouvir. Se não voltar… deixem lá, também não vão ler o artigo, por isso está tudo certo!).
Minutos antes de começarmos o concerto, tivemos um apagão elétrico (mais pequeno que o atual, mas só um bocadinho). Tivemos então de decidir rapidamente o que fazer. O público estava calmo (ainda havia bastantes minis, e a diferença de claridade no N101 com ou sem eletricidade era pouca, por isso tudo tranquilo). Rapidamente, estes senhores de Lisboa apresentaram a solução: "Tocamos no meio do público, em acústico", disseram eles.
E assim foi. Acendemos meia dúzia de velas, eles trouxeram os instrumentos para o meio do público e começou o concerto. O elétrico passou a acústico – e que concerto enorme foi! Se calhar, melhor até do que a versão original. Um momento lindo de comunhão entre banda e público.
"E então, ninguém filmou?", perguntam vocês. A resposta é: não!! Primeiro, porque na altura os telemóveis ainda eram fracos a filmar, ok! Mas, acima de tudo, porque não existia esse hábito. As pessoas viam e ouviam os concertos concentradas no que estava a acontecer no momento, a vibrar e a viver o agora, a criar memórias. Ninguém estava preocupado em registar para partilhar e colecionar "likes". A partilha da altura era feita a contar no dia seguinte, no café, aos amigos, o quão espetacular tinha sido o concerto.
Uma partilha muito mais bonita, na minha opinião: contávamos empolgados, olhos nos olhos, cara a cara, a ver as expressões uns dos outros – as “stories” do dia anterior. Os “likes” eram um “Cala-te! Que fixe!” ou “Quem me dera ter ido!”. Sim, tempos diferentes, com mais contacto, mais pensamento crítico e menos dependência deste aparelho infernal que é o telemóvel/smartphone.
Estou certo de que, com o apagão de hoje, ninguém correria para as bombas de combustível ou faria compras em desespero…
Neste momento, enquanto vos escrevo este artigo, vou espreitando o telemóvel, a ver se já tenho rede e ele me diz o que se passa. Se eu já sou dependente do telemóvel, imaginem quem sempre viveu com um na mão…
Cada vez somos mais um bando de ovelhas, facilmente manipuláveis e controláveis.
Bem, dito isto, e vendo que estou a ficar sem bateria no Mac, termino e vou gravar este artigo para a posteridade. Se correr mal – e estivermos às portas do apocalipse zombie –, ficará aqui apenas no meu registo e na minha memória. Contudo, se estiverem a ler isto, é porque correu tudo bem, foi apenas um corte temporário, e voltámos à normalidade. Voltámos à nossa categoria de animais amestrados desta sociedade perdida, onde os novos deuses são os Tiagos Grilas e os Numeiros…
Visto deste prisma, os zombies nem me parecem tão maus. Pelo menos, não dizem tantas asneiras.
[Conteúdo publicado originalmente na edição de Maio 2025 do jornal Reflexo]
Pub