28 debates, ZERO perguntas sobre cultura
Assisti a todos os frente–a–frente entre os líderes dos partidos com assento parlamentar. O que eu já previa confirmou-se: não ouvi uma única pergunta sobre cultura. E isto diz muito da sociedade em que vivemos. A cultura foi esquecida nos debates: se os moderadores nada perguntaram, os candidatos nada responderam; salvo raras exceções, nada ouvimos por iniciativa própria dos candidatos no pouco tempo que tinham; e pouco ou nada ouvimos pelos “especialistas” em análise política, nada tendenciosos, sobre esta matéria. Arrisco-me a dizer que nesta maratona se deu à cultura a importância que ela tem no status quo dos nossos tempos: uns meros minutos.
É certo que os cerca de 13 minutos de debate para cada candidato (excetuando o debate entre os dois principais partidos) não eram suficientes para o devido aprofundamento das temáticas que o esclarecimento dos eleitores merece. Tenho uma posição sobre isto. Também é certo que a cultura não está esquecida nos programas eleitorais, ainda que seja notável que uma parte do espetro político olhe com mais profundidade para ela e a outra não olhe tanto, à semelhança do que aconteceu em anos anteriores (havendo mesmo programas que quase nada dizem). Também tenho uma posição sobre isto. Mas não é sobre isto que me pretendo pronunciar. Talvez numa outra oportunidade.
Escrevia no início que este problema diz muito da sociedade em que vivemos. É até mesmo sintomático de uma sociedade que atribui à cultura um papel secundário nas suas vidas, que a relega para as notas de rodapé e que não lhe dá o devido valor. Uma sociedade que não reconhece a sua imprescindibilidade, renunciando ao seu valor emocional, intelectual e económico e banalizando-a, atribuindo-lhe um papel de mero entretenimento, qual “passatempo” para a sua vida. Mas a cultura não é secundária: é mesmo necessária. Seja pelas milhares pessoas que se dedicam a ela dia-a-dia, seja por aquilo que ela representa para nós – o futuro. Uma sociedade que despreza a cultura é uma sociedade que hipoteca o futuro do seu país, das próximas gerações e da democracia.
A cultura é mesmo uma pedra basilar do regime democrático. Alarma e desafia as pessoas a sentirem a necessidade de se transcender a si próprias. Acrescenta sentido à nossa existência, sendo também aquilo que nos define. Tem potencial transformador e convida-nos a estabelecer novos horizontes. É mesmo uma “necessidade fundamental de todos os homens, nas palavras de Sophia de Melo Breyner. A cultura é irmã da liberdade e reflexo da democracia. O que será do futuro de uma sociedade que a despreza?
Numa altura em que o setor cultural tanto reivindica (e bem) mais apoio e uma maior importância da cultura no PIB, talvez seja necessário começar a dar-lhe a devida importância no debate político, nas escolhas que fazemos e, acima de tudo, na forma como vemos o mundo e como vivemos em sociedade. A não ser assim, condenaremos a cultura ao seu desaparecimento, qual vistoso mas frágil castelo construído sobre a areia que se desfaz ao primeiro golpe de vento[1].
A paz, o pão, a saúde, a habitação. E a cultura. Assim, estaremos a lutar pelo futuro da democracia.
[1] Citação não literal (a frase o original está no plural) de Mário Vargas Llosa em “A Civilização do Espetáculo”, p. 70.