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Pelas Barreiras, a dançar e a cantar, até onde as “coras” os levasse

Carolina Pereira
Freguesias \ quinta-feira, novembro 04, 2021
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É por caminhos velhos que descobrimos um bocadinho da história de cada pessoa e freguesia. Lurdes Ribeiro tem quase 80 anos e é quem nos dá a perspetiva de como eram as Barreiras no tempo em que só existia uma tasca/casa de venda e um nicho de casas.

Até há cerca de setenta anos, pela memória de Lurdes Ribeiro, a habitação existia em pontas soltas nas Barreiras. Foi assim até ao dia em que Manuel Ribeiro, por acaso seu pai e pessoa que dá nome àquela rua - Rua Manuel Ribeiro - se motivar a construir as primeiras casas de Santa Eufémia.

“Eu lembro-me de, na freguesia, haver entre 50 e 70 casas. Hoje quantas haverá? Não haverá umas 500? E o meu pai participou na construção das primeiras casas, já eu estava nascida. Quem entra na entrada das barreiras, aquelas duas casinhas baixinhas que lá tem foram feitas por ele, lembro-me bem. As casas simples, mas ter telhado para se cobrir já era bom.”, recorda.

Recuando no tempo, Lurdes lembra aquela rua de famílias grandes onde não faltavam crianças com quem andar à roda e a cantar, jogar ao Truque, que agora se chama Macaca, ou até à Sarna, que agora se conhece como Caça. Uma altura em que se fazia do pouco que se tinha, o suficiente. “Os rapazes com uma lata de sardinha e pondo umas rodas faziam um carrinho. Eu, dos trapos que encontrava, fazia vestidos para as bonecas. Entretínhamos-mos com pouco. Hoje já não é grande coisa em algumas questões. As pessoas riem-se para o telemóvel, parecem malucos. Nós brincávamos de uma forma muito linda”.

As Barreiras, como se conhece, ficaram sobretudo conhecidas pelo estabelecimento que os pais de Lurdes detinham. O Mercado das Barreiras, que atraia dezenas de pessoas àquela rua era uma tasca e casa de venda onde “tinha de tudo”. “Eu não tinha necessidade de ir à feira. Tinha mercearia, tasca de vinhos e sardinhitas fritas que se vendia naquele tempo, adubos, ferragens, tecidos para fazer roupa, que dantes comprávamos para fazer, sulfatos, havia de tudo!”.

Os seus pais estavam sempre por lá, a trabalhar. Desde a manhã até ao repousar do sol e por isso, juntamente com as irmãs, Lurdes tinha de os ajudar a dar vazão à quantidade de gente que por lá aparecia. Os fregueses apareciam de todo lado, desde as zonas mais próximas como Soutos e Santo Estêvão, até de mais horas de caminho como São Torcato ou mesmo Braga.  “Vinham umas senhoras de Braga com umas mesas viradas ao contrário que traziam à cabeça! E dentro de cada tampo da mesa, tinha cafeteiras, máquina de petróleo e vinham de lá para fazer café em São Torcato.”

A peregrinação pedia por paragens. E era pelas Barreiras que muitos se viam a descansar um bocado e beber uma “cora”, como Lurdes lhe chama, já que via quem a tomava a ficar de bochechas vermelhas.

As Barreiras não passavam despercebidas, porque se faziam ouvir. “Era uma alegria” e quem lá parava, cantava e dançava e assim seguia até ao destino. Era o efeito da “sopa de cavalo cansado”. Remédio Santo para acentuar ânimos. E com tanta gente a passar, é certo que se fez amizades. “Havia uma senhora que era de Santo António de Freitas e vinha com um senhor que tocava concertina. Ela dançava de uma forma que toda a gente parava para ver. Chamávamos-lhe a Miquinhas dançadeira e uma vez, ela passou de manhã cedo para a Santa Marta já a dançar. Estava transpirada e a minha irmã foi ao cântaro buscar água e botou numa caneca com um bocadinho de açúcar e água ardente para que a água não fizesse mal. Então ó para cá, a Miquinhas trouxe-lhe uma rosquinha de agradecimento. Ela só passava por ali uma vez por ano, mas ficaram uma amigas que meu deus!”

Os pais de Lurdes mantiveram o negócio até falecer, deixando o negócio nas mãos de uma das filhas que agora o deixou a outra familiar. Contam-se uns 100 anos de negócio. Já não tão conhecida, mas ainda bastante frequentada, a rua vai vivendo, com mais do que meia dúzia de casas.