Viva a República!
Por estes dias, o Reino Unido vive, mais uma vez, dias turbulentos. Boris Johnson, o senhor Brexit means Brexit, uma figura caricata, para não dizer outras coisas, dos últimos 30 anos da vida social e política do Reino, vê o seu governo desmoronar-se de dia para dia, com demissões em catadupa, já depois de uma tentativa de demissão por parte da sua própria bancada parlamentar. Enfim. Um caos completo. Boris, é claro, vai cair. Pode ser uma questão de horas, dias ou semanas, mas vai cair.
Mas, caro leitor, por mais exótico que seja o personagem, não foi para vos falar de BoJo que cá vim hoje, nem sequer desta crise governamental em particular. É importante perceber bem as idiossincrasias da política britânica mas, acima de tudo, o seu sistema político, para se perceber o que está a acontecer, e é exactamente para vos falar um bocado do sistema político que aqui estou hoje.
Para começar, o título desta crónica é uma provocação. Sou um republicano fervoroso, e, por isso, sou crítico de sistemas monárquicos, mas, na realidade e para lá da provocação, houvesse um Presidenta da República, em vez de uma monarquia decrépita e quase só monumental, não seria permitida a agonia a que temos assistido no governo britânico nas últimas semanas. Claro que para isso ajuda o facto de o Reino Unido não ter uma Constituição escrita. Sim, caro leitor, contrariamente a Portugal e à esmagadora maioria dos países, o Reino Unido não tem uma Constituição una escrita. Tem vários documentos escritos, a que se juntam alguns conceitos não escritos, embora enraizados na sociedade. Isto transforma a Constituição Britânica numa espécie de manta de retalhos em constante alteração, sendo que o Supremo Tribunal do Reino Unido reconhece apenas como fundamentais a soberania parlamentar, o Rule of Law, ou seja, o primado da lei, a democracia e o respeito pelo Direito Internacional.
No que diz respeito ao Parlamento Britânico, este é composto por duas câmaras, a câmara dos Lordes, composta por 766 membros da nobreza britânica, da coroa e das entidades religiosas anglicanas. Sim, caro leitor, os senhores e a igreja têm lugar no parlamento. Se os bispos anglicanos têm lugar apenas enquanto ocupam os seus cargos, os senhores têm lugar vitalício, sem nunca passarem numa eleição.
A outra câmara do Parlamento è a Câmara dos Comuns, composta por 650 membros eleitos por 5 anos em eleições directas.
Vamos então ao sistema eleitoral, onde, na minha opinião, reside um dos maiores problemas do sistema político Britânico. O Reino Unido tem um sistema eleitoral dividido em 650 distritos (que não são iguais aos distritos portugueses), e as eleições são feitas por círculos uninominais, isto é, cada distrito elege um deputado, contrariamente à eleição por listas realizada em Portugal, onde, por cada circulo eleitoral, elegemos representantes de vários partidos. À primeira vista, o sistema eleitoral britânico pode parecer mais atractivo. Deputados eleitos directamente, claramente conhecidos pelos eleitores e que têm motivação para defender o local por onde foram eleitos. Eu próprio, que por princípio sou contra círculos uninominais, concedo que este tem algumas vantagens, mas tem também grandes desvantagens, sendo para mim a maior, o facto de os deputados não deverem ser eleitos para representar apenas uma determinada região, mas antes para representarem o país como um todo, e para se desenvolverem políticas que beneficiem e desenvolvam o país como um todo. A juntar a isto, temos o facto de a sua eleição, ou reeleição, estar directamente ligada com aquilo que conseguir demonstrar que fez aos seus eleitores para os “defender”, e não necessariamente a implementação de políticas que sejam boas para o país e, em consequência, para esses e todos os outros eleitores. É um sistema que vive da aparência e da capacidade de comunicação do trabalho, e não do efectivo trabalho e dos efectivos resultados. Em última análise é um sistema que, como agora podemos facilmente podemos perceber, facilmente resvala para o populismo. Com todo o respeito democrático por todos os eleitores, o superior interesse do país pode, muitas vezes, não ser o interesse de um determinado distrito, e esse interesse não pode bloquear as decisões de um país como se viu no Reino Unido, por exemplo, na questão do Acordo para o Brexit.
A verdade, caro leitor, é que a democracia britânica tem funcionado, com as suas falhas e com as suas virtudes, como todas as outras, e até com resultados interessantes, mas não é menos verdade que é visível a decadência política do Reino Unido nos últimos anos, decadência esta que poderá, acredito, em última análise, levar à sua desagregação, mais cedo do que tarde.