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Vento frio de Leste.

Pedro Mendes
Opinião \ quinta-feira, dezembro 16, 2021
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Num mundo transformado em tabuleiro de um jogo geopolítico e económico, ao Ocidente, também muito por sua culpa, parecem faltar "armas" capazes de garantir que os ideais liberais triunfarão.

É, ao que parece, uma questão de tempo. A Rússia prepara-se para invadir a Ucrânia. Neste momento, e segundo fontes do governo Ucraniano e de observadores internacionais, são dezenas de milhares os soldados estacionados junto à fronteira entre os dois países, bem como artilharia militar pesada que está em movimento há meses em direcção a esta mesma fronteira. Relembro, caro leitor, que em 2014, na sequência da deposição do Presidente Ucraniano Pró-Russo Viktor Yanukovytch, a Rússia, embora dissimuladamente, tinha já invadido a Crimeia, estando ainda aberto um conflito na região de Dombass, no leste do país, também com apoio Russo a grupos separatistas, que dominam neste momento largas parcelas do território da região.

Neste momento, a Ucrânia clama pela ajuda internacional do Ocidente para evitar que mais uma vez as suas fronteiras sejam violadas, dizendo mesmo em alta voz que não tem condições para suster uma investida em larga escala do Exército Russo. Os EUA e a UE já reagiram. Joe Biden, o Presidente Americano, já reiterou, ainda antes de uma videoconferência com Vladimir Putin, o seu apoio incondicional à soberania Ucraniana e Úrsula von der Leyen, Presidente da Comissão Europeia, também já referiu que uma eventual ofensiva por parte dos Russos “terá o seu preço”. No entretanto, a Rússia, no seu estilo de RealPolitik, já veio dizer que as movimentações das suas tropas no seu território a ninguém diz respeito, e acusa o Ocidente de alarmismo, ao mesmo tempo que acusa os Ucranianos de tentarem retomar as áreas controladas pelos separatistas Pró-Russos, acusação esta que é vista pelos especialistas internacionais como potencial justificação para uma eventual investida dos russos.

Todo este processo, embora complexo, parece desaguar numa tentativa da Rússia em limitar o avanço do Ocidente na sua (antiga) área de influência, isto é, numa tentativa de evitar que os países da Ex-URSS, como a Ucrânia ou a Geórgia entrem na esfera da NATO e/ou da UE. Claro que se no caminho conseguir reconquistar território russófono do leste da Ucrânia, Putin não dará o esforço como deitado fora, até porque as suas duas últimas incursões em território Ucraniano não lhe correram propriamente mal, apesar das sanções aplicadas pelos países ocidentais. Neste campo, o Ocidente parece agora disposto a ir um bocado mais longe do que até aqui, ponderando usar algumas ferramentas poderosas vistas como últimos recursos como a desconexão do sistema SWIFT do sistema bancário Russo (Sistema de pagamentos usado mundialmente e que permite transacções internacionais) ou ainda a suspensão da abertura do Nord Stream 2 na Alemanha, o gasoduto que demorou anos a construir e que previa o envio de milhões de metros cúbicos de gás para a Alemanha, pronto desde o verão passado.

Outro dos actores a ter em conta neste complexo jogo geopolítico e geoestratégico é a China, que não deixará passar mais uma oportunidade para poder esvaziar o poder do Ocidente, em particular dos EUA, numa altura em que se joga um longo jogo de xadrez do domínio mundial (jogo que a China joga de maneira completamente diferente de todos os outros actores, num plano mais longo) e em que a China parece apostada em conquistar terreno. Não deixa de ser, aliás, bastante irónico que a China e a Rússia, a quem os EUA fomentaram durante décadas uma certa rivalidade, pareçam estar neste momento numa espécie de histórica reaproximação sem retorno que colocará definitivamente em xeque o domínio Norte Americano.

À data em que vos escrevo, caro leitor, está agendada uma reunião virtual entre Putin e Xi Jinping que deverá, certamente, tratar de todos estes assuntos e deixar bem claro se a China apoia ou não (ou apoia até que ponto) este movimento Russo. Se apoiar, o Ocidente ficará numa situação de difícil gestão, uma vez que qualquer recuo face às pretensões Russas podem ser encaradas como um falhanço redondo que dará aos Russos “leverage” para futuras situações negociais.

Cada vez mais se afigura difícil a luta entre os liberais ocidentais e os regimes autoritários de leste e do oriente. Num mundo transformado em tabuleiro de um jogo geopolítico e económico, ao Ocidente, também muito por sua culpa, parecem faltar “armas” capazes de garantir que os ideias liberais triunfarão.