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Vai ficar tudo bem

Sara Martins
Opinião \ quinta-feira, março 19, 2020
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Apesar de tudo, temos sorte. Podia ser uma guerra como a que está a decorrer há 9 anos na Síria, e que fez 5,6 milhões de refugiados e mais de 380 mil mortos.

Ontem o Presidente da República anunciou ao país a imposição do estado de emergência. Uma figura que nos vai limitar em direitos e liberdades. A esta hora as dúvidas são muitas, ninguém sabe o que fazer a seguir. Tudo é novo e incerto.

Deixei o texto que tinha preparado, para publicar este mês, de lado. Reprimo a fúria crítica que me impele a falar da inoperância do nosso governo, das fracas medidas de apoio anunciadas pela Câmara Municipal de Guimarães, ou da falta de bom senso do Presidente da Junta.

Desta vez a mensagem é de esperança, porque esta é a única arma para combater o medo. Mário Cortella, diz-nos que devemos ter esperança, não do verbo esperar, de quem cruza os braços e espera que as coisas se resolvam, mas do verbo esperançar. E esperançar é acreditar que é possível, é juntar-se com outros e fazer de outra forma.

E o povo português tem demonstrado uma esperança gigantesca nos últimos tempos, revelando o melhor lado da humanidade: a solidariedade. Entre fábricas têxteis que se disponibilizam para fazer fatos e máscaras, empresários que oferecem ventiladores, cientistas que, voluntariamente, se reúnem para desenvolver tecnologia que permita fabricar ventiladores em Portugal, médicos reformados que voltam ao SNS para ajudar, portugueses que se mobilizam para fazer as compras aos seus vizinhos.

Hoje, ficar em casa é servir. E o povo português deu uma lição de liderança servidora aos seus líderes. O auto-isolamento a que se propôs, muito antes das autoridades o definirem, assim o prova. A manifestação de apoio e agradecimento aos nossos profissionais de saúde, assim o prova. A disponibilidade e coragem, de todos os que são precisos na linha da frente desta guerra, e aqui cabem os profissionais de saúde e socorro, mas também os de distribuição, do sector alimentar, da higienização, e de outras áreas que não podem parar, assim o prova.

Apesar de tudo, temos sorte. Podia ser uma guerra como a que está a decorrer há 9 anos na Síria, e que fez 5,6 milhões de refugiados e mais de 380 mil mortos. Podia ser uma epidemia de Ébola, como a que, em 2013, assolou a África Ocidental, com taxas de mortalidade que ultrapassavam os 60%.

Felizmente não é. É um vírus maldito, que nos assusta e ameaça os mais frágeis. E é este cuidado, que demonstramos pelos mais frágeis, que realça o nosso elevado sentido de humanidade. Isolados percebemos o quanto precisamos do outro. Sairemos deste sonho mau com uma consciência humana ainda mais reforçada, e globalizada, porque afinal, um espirro na Ásia causa mesmo o caos no mundo todo. Este pode ser o início do fim de muitos outros problemas.

Somos um povo de marinheiros habituados a mares revoltos. Tenho a certeza que também faremos deste cabo das tormentas um cabo da Boa Esperança, rumo a um mundo melhor, onde não se adiarão abraços.

Cuide-se, cuide dos seus.

Fique em casa.

Vai ficar tudo bem.