Um fraco Rei faz fraca a forte gente*
Há dois meses acordamos para uma nova realidade. O mundo como o conhecíamos transformou-se, abalou todas as nossas rotinas, trouxe o medo, a insegurança e as dificuldades. Chamam-lhe distopia, ou uma representação demasiado má para ser verdade.
Nos primeiros tempos o terror era o de uma crise de saúde pública. Recolhemo-nos, afastamo-nos de quem gostamos para os proteger. Aparentemente conseguimos evitar o pior. As imagens atrozes de caixões empilhados e valas comuns são retratos de outros países.
Não tivemos tempo de respirar de alívio ou celebrar. A crise económica atingiu-nos em força. E mesmo estando nós, portugueses, calejados em crises económicas, esta não é como as outras. Esta não tirou só o emprego ou o rendimento, esta impede-nos de trabalhar, ata-nos as mãos numa impotência angustiante.
Mas, além da crise de saúde pública, e da crise económica, há ainda uma terceira de que ninguém fala e que agrava ainda mais as outras: a crise de liderança. Mesmo a mais branda das tempestades pede um Homem do leme, alguém com sentido de bem comum e espírito de missão. Alguém destemido, que sabe que em momentos como estes é necessário tomar decisões mesmo que impopulares, é preciso agir numa corrida contra o tempo. Alguém que transmita segurança, que fale a verdade e dê o exemplo.
Infelizmente não temos um líder capaz. O mérito do nosso sucesso é todo da sociedade civil. Do português comum que se recolheu em casa e fechou o seu negócio, mesmo antes do governo o decidir. Dos cientistas que se mobilizaram para arranjar alternativas para as faltas do SNS. Dos empresários que reestruturaram as linhas de produção para produzir máscaras, ou zaragatoas. Das pessoas que se desdobraram em donativos para os hospitais. Da onda de solidariedade que se gerou para ajudar quem precisa.
As promessas que vieram do nosso governo estão por cumprir. Os ventiladores comprados à China perderam-se pelo caminho. Os apoios às empresas não chegaram. E nem a Direção Geral de Saúde nos tranquiliza já cada dia é uma recomendação oposta: ora é perigoso usar máscara, ora dá multa não usar.
Não bastasse o azar de não ter autoridades nacionais com perfil de liderança e coordenação, nós Vimaranenses e Taipenses, estamos triplamente órfãos.
É confrangedor ver a falta de apoios e de iniciativa da Câmara Municipal de Guimarães (CMG), principalmente quando comparado com outros municípios de orçamentos substancialmente inferiores. O que a CMG fez foi substituir as apresentações públicas de projetos que nunca concretiza, por webminares. O resultado é o mesmo, muita conversa, zero acção.
E na nossa vila não foi diferente. Depois de 2 meses de confinamento, a Junta de Freguesia acordou finalmente para as necessidades dos taipenses. Muito depois da sociedade civil se organizar e colocar uma caixa solidária no centro da vila, como resposta às muitas solicitações.
Se é verdade que não temos líderes à altura, também é verdade que somos um povo extraordinário. Nestes 2 meses tivemos, todos os dias, exemplos de solidariedade e humanismo que nos fazem acreditar no melhor que está por vir. E que o melhor passe por uma maior participação democrática e política de todos. A abstenção não elege líderes competentes e esta crise provou que é mais fácil quando o povo se junta e toma as rédeas.
*Do justo e duro Pedro nasce o brando,
(Vede da natureza o desconcerto!)
Remisso, e sem cuidado algum, Fernando,
Que todo o Reino pôs em muito aperto:
Que, vindo o Castelhano devastando
As terras sem defesa, esteve perto
De destruir-se o Reino totalmente;
Que um fraco Rei faz fraca a forte gente.
Os Lusíadas, Luís Vaz de Camões, Canto III 138 estrofe