Repugnante
Em tempos de pandemia houve um surto de necessidades de géneros alimentícios, para uma camada da população, que não é explicável numa sociedade que respira – dizem – economia em crescimento e de um estado social – dizem – tão abrangente quanto as politicas dirigidas a conquistar consciências com míseros euros que se limitam a satisfazer o limiar da sobrevivência.
Quando as necessidades básicas são aproveitadas pelo poder politico para conquistar e condicionar consciências, não há nada mais de repugnante.
Como foi amplamente noticiado, a necessidade de géneros alimentícios, de refeições não emergiu dos funcionários públicos que não perderem um tostão e uma qualquer regalia; não emergiu da grossa turba de reformados cuja pensão não faltou nos moldes habituais; nem daqueles que, trabalhando no sector privado, mantiveram o emprego e a retribuição. A nova “horda de esfomeados” surgiu naqueles que trabalham por conta própria; dos que ficaram desempregados, dos que não receberam o salário devido, dos que trabalham a recibos verdes; dos que dependem doutros para terem que fazer; dos que dependem da sua iniciativa e da normal actividade económica.
Sim, esses que trabalham por conta própria, em nome individual ou sob a fachada de uma sociedade comercial cuja actividade gerem com o nome pomposo de gerente, fundindo essa condição com a de único trabalhador, afinal, um trabalhador e gerente dele próprio, ou, na maior parte das vezes, com mais um trabalhador e com a família incluída.
Só agora, no raiar do mês de Junho, em fase de despegamento da pandemia, depois de quase três meses de míngua e sob a muita pressão, lá aprovaram um apoio de € 219,00 que pode chegar aos € 635,00. Eles, que pagam IVA, IRS/IRC, taxas, selos, segurança social, por eles e pelos colaboradores, só depois de se clamar pela injustiça do seu esquecimento são contemplados com o “milho” sobrante.
Para reforçar que não foram os “famintos” crónicos, os “sem abrigo” que reclamaram refeições para si e para a sua família. Foi um novo tipo de desprotegidos que não carecem de classificação, de registo, de apreciação em tempos de “normalidade”, abordados por assistentes sociais burocráticas, essas que fazem perguntas a quem não quer ser perguntado. Foram esses, essa nova gente, que o Padre Rubens – ilustre Taipense – invocou para justificar o aumento exponencial das refeições que distribuía na sua paróquia. Ali, ninguém pergunta quem és, o que fazes, o que precisas, na certeza de que entrar numa fila a céu aberto, com jornalistas e televisões por todo o lado, já é um castigo severo para quem se sente humilhado por passar no limbo de tão triste destino.
A sociedade civil das Taipas compreendeu esse fenómeno e implementou a “Caixa Solidária” que abastecia de forma anónima quem necessitasse e recolhia de quem doava.
Surpreendida com tal iniciativa, a Junta de Freguesia reagiu tarde. Em bom rigor, quem necessitasse e não tivesse outros apoios, quando a Junta chegou já tinha falecido.
E chegou com a carga burocrática que não é admissível em tempos de pandemia: com hora marcada; com entrevista, com identificação, com, afinal, humilhação acrescida não compaginável com a emergência da situação. E o local escolhido não foi um qualquer local recatado; foi na sede transformada em mercearia.
Repugnante abusar das necessidades mais prementes da sobrevivência para retirar apoios políticos. Como dizia o chefe deles todos: REPUGNANTE.