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Os políticos que não entendem a arte

Samuel Silva
Opinião \ quinta-feira, setembro 13, 2018
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O CIAJG não é um projecto falhado e muito menos está à deriva – a programação é de uma qualidade e coerência intocáveis e reconhecida no meio artística nacional. Mas para perceberem isso os políticos tinham que entender qualquer coisinha sobre arte. Não sabem.

Li na imprensa os ecos do espetáculo burlesco oferecido pelos dois candidatos a presidente de câmara mais votados das últimas duas eleições acerca do mais singular equipamento cultural que Guimarães alguma vez teve, o Centro Internacional de Artes José de Guimarães (CIAJG).

As declarações de ambos são completamente deslocadas da realidade. São injustas, extemporâneas e, em última análise, politicamente irresponsáveis. O CIAJG não é um projecto falhado e muito menos está à deriva – a programação é de uma qualidade e coerência intocáveis e reconhecida no meio artística nacional. Mas para perceberem isso os políticos tinham que entender qualquer coisinha sobre arte. Não sabem. Tinham que frequentar o centro também. E, exceptuando o período pré-eleitoral, não creio tê-los visto por lá.

Cada Santana Lopes merece o seu Frank Ghery e o candidato duplamente derrotado acha razoável que se tivesse gasto mais (!?) dinheiro no edifício – e menos em programação artística, concomitantemente – da Capital da Cultura para o tornar “icónico”. Aquele corpo ainda estranho à cidade e amplamente premiado parece não ser suficiente.

Pior ainda, diz sem vergonha que o CIAJG deve ser uma espécie de “pólo 2” do Serralves, um local por onde passam exposições em itinerância. É um sinal de completo desconhecimento do que se faz no centro e do papel que este tem no panorama artístico nacional. O CIAJG tem um programa próprio e único. Não é uma estrutura de acolhimento, é um centro de produção.

As palavras do presidente são mais graves atendendo às suas responsabilidades políticas. “A plataforma das artes não tem tido sucesso”, diz o político que mede o sucesso dos projectos culturais pelo número de bilhetes vendidos. Não creio que seja preciso dizer mais nada.

E di-lo num momento num momento em que o primeiro-ministro anuncia um reforço de investimento na Cultura para o Orçamento do Estado de 2019, oportunidade de ouro para a autarquia concretizar a intenção – justíssima – de um investimento do Estado central de forma permanente no projecto artístico do CIAJG. Como pode convencer os negociadores do Ministério da Cultura quem diz em público isto sobre o projecto que espera ver reconhecido? É uma demonstração de inabilidade política tão primária que fica difícil acreditar que tenha sido minimamente pensado.

É particularmente injusto o autarca quando afirma que o CIAJG não tem relação com a comunidade. Não terá, por certo, tido a oportunidade de ver a exposição “Objectos Estranhos” ou a retrospectiva monumental do Mestre Caçoila. Talvez não perceba sequer a importância de o centro se abrir a um evento como a Contextile, podendo acolher uma artista internacional da dimensão de Ann Hamilton – que, ainda por cima, trabalhou em tão grande colaboração com os vimaranenses.

À hora em que este texto chegará aos leitores, Germain Viatte, a grande figura da museografia francesa dá uma conferência no centro. Duvido que algum dos políticos esteja a vê-la. No próximo ciclo expositivo, Rui Chafes expõe no CIAJG, na mesma altura em que duas peças suas passam a estar no Centre Pompidou, em Paris. Os políticos deviam perceber a importância disto. Pelos vistos não percebem.

É, porém, a última frase do presidente da câmara que mais me chamou à atenção. “Os vimaranenses querem dar o seu contributo”, diz, prometendo nomear um “grupo de reflexão” sobre o centro constituído por “conhecedores da cultura em Guimarães”. O erro não podia ser mais rotundo. Este é um centro internacional, voltado para fora, destinado a fazer Guimarães relacionar-se com o tecido artístico nacional e do resto do mundo.

Seria a morte do CIAJG, na sua dimensão internacional, que esta reflexão fosse feita localmente. Guimarães já olha suficientemente de dentro para dentro. Obrigar o seu projecto artístico mais cosmopolita a render-se a esta lógica provinciana seria uma cedência de uma gravidade imensa.