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Três balizas para a Cultura

Samuel Silva
Opinião \ quinta-feira, junho 29, 2017
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A Cultura deve ter um tratamento especial da parte dos políticos locais e merecer uma exigência redobrada no escrutínio das propostas para este sector por parte dos cidadãos.

Espera-se para as próximas semanas a apresentação das listas dos partidos e coligações que concorrem às próximas eleições autárquicas. Esse será um primeiro momento para, através dos perfis escolhidos, podermos perscrutar as intenções das diferentes forças para a política municipal nos próximos quatro anos.

É expectável também que, durante o Verão, fiquemos a conhecer os respectivos programas eleitorais. Olharei com particular atenção para as propostas na área da Cultura. É evidente que este não é o único aspecto relevante que se decide numa eleição, mas repito o que já escrevi várias vezes: a Cultura é a única área, em décadas, na qual Guimarães conseguiu adquirir uma projecção internacional relevante, ultrapassando os constrangimentos da sua própria dimensão.

Por isso, a Cultura deve ter um tratamento especial da parte dos políticos locais e merecer uma exigência redobrada no escrutínio das propostas para este sector por parte dos cidadãos. Reconhecendo na diversidade de propostas e visões a grande riqueza da Democracia – e o motivo por que, afinal, nos devem entusiasmar os períodos eleitorais – há, a meu ver, três balizas que devem enformar a propostas a serem apresentadas, sob pena de colocar-se em causa o lugar que Guimarães ganhou em Portugal e na Europa.

a) Centralidade: O passado recente de Guimarães e a responsabilidade que lhe confere o estatuto de antiga Capital Europeia da Cultura são factores que exigem que a Cultura tenha um papel fulcral no discurso político. Sendo certo que os projectos políticos devem propor visões diferentes para o concelho, estes devem ser coerentes com a prática cultural da cidade, especialmente a da última década.

Essa importância deve ser reconhecida quer em termos simbólicos quer na matéria de facto, contaminando positivamente o discurso político e as narrativas que cada força vai desenvolver. Sendo certo que os cruzamentos da Cultura com outras áreas como a Educação ou o Ambiente são desejadas, isto não pode resultar numa secundarização ou até perda de independência do pensamento dos decisores públicos sobre o projecto cultural da cidade.

b) Contemporaneidade: Não pode passar despercebido aos políticos que a grande marca distintiva de Guimarães a nível cultural é a sua aposta na criação contemporânea. Foi esta que sedimentou o CCVF como um lugar incontornável da cultura nacional, foi esta que enformou o projecto da CEC e o seu sucesso. Ter esta consciência implica manter esta visão, promovendo a criação contemporânea e atraindo para Guimarães os mais importantes criadores do nosso tempo, quer a nível nacional quer internacional.

Ter esta consciência implica também não ceder às propostas de massas nem ao popularucho. Escrevo popularucho e não popular. Não é por acaso. A cultura popular e a criação contemporânea são compatíveis. Creio, aliás, que o cruzamento com criadores contemporâneos é a melhor forma preservação da cultura popular e não faltam exemplos disso, só que defender a cultural popular é também defender uma cultura de qualidade e de exigência e recusar o seu abastardamento.

c) Universalidade: Se Guimarães tem hoje uma nova geração de criadores e produtores, da música à fotografia, do cinema à dança, passando pelo trabalho comunitário, que conseguem ser reconhecidos nacional e até internacionalmente, isso acontece porque a cidade foi capaz de se confrontar – em 2012 e antes disso – com o que de melhor se faz na Europa e no Mundo nas várias disciplinas artísticas. Foi também uma cidade capaz de olhar o outro, relacionar-se com ele e, por via disso, mudar e também crescer. Uma comunidade que se fecha em si mesma é uma comunidade destinada a perecer.

O caminho terá que ser sempre este, evitando o discurso sobre-identitário e a tentação de ceder ao mito da auto-suficiência vimaranense. As associações e agentes culturais locais são fundamentais para o sucesso de uma política pública de cultura, mas não são – não podem ser – o seu alfa e o seu ómega. Num meio cultural maduro cabem associações e agentes locais, promotores, produtores e criadores profissionais independentes e, obviamente, também as instituições públicas (municipais e estatais), numa articulação que deve ser estreita, sem grandes hierarquias, mas que só funciona com esta diversidade.