«Os mais velhos não são trapos»
O envelhecimento tornou-se um fenómeno de massas. Associamos a velhice à perda de algumas faculdades, quer físicas, quer mentais e é perfeitamente normal que tenhamos muito receio em envelhecer. O mito da eterna juventude é um clássico.
Por outro lado, os avanços na ciência, trazem grandes conquistas e a longevidade é uma delas, vivemos mais tempo, mas queremos viver com qualidade de vida. Eu iria mais longe, viver com qualidade de vida e felizes.
O abandono dos idosos é cada vez mais uma realidade típica. O isolamento, em particular dos idosos, é um dos grandes dramas das nossas comunidades. Tenho até medo, confesso-vos, que comecemos a pensar que é algo normal. Alguns apelidam esta cultura como a «cultura do descarte». Não produz, não é bonito, não serve, “joga-se fora”. É normal, um filho não visitar os pais; é normal os netos não visitarem os avós. Não têm tempo, dirão alguns. Os nossos idosos não querem ficar sozinhos, não gostam de estar sozinhos.
A solidão mata e mata mais do que muitas outras doenças. Como combater este flagelo? Como ensinar a ternura e o cuidar? Em primeiro lugar, fazemo-lo no encontro em família, na responsabilidade do seio familiar, seja lá o modelo de família que estejamos a pensar. O que importa é que a família seja aquilo que é: família!
Se abandonar e maltratar os mais velhos, é algo a que temos que nos habituar (jamais me habituarei), o nosso mundo está doente. Muito doente! Estamos perante um retrocesso civilizacional. Uma comunidade que abandona e maltrata os mais velhos, poder-se-á dizer que é uma sociedade desenvolvida? Não, para mim não é. A convivialidade entre gerações é necessária, diria, quase obrigatória. Uma sociedade que não respeita os seus idosos está condenada ao fracasso, é como uma árvore sem raízes, apodrece.
O Papa Francisco vai mais longe, encoraja os mais velhos a ser artificies de uma “Revolução da Ternura” e que o nosso mundo tanto precisa. Num mundo tecnocrático, digital, dito desenvolvido, necessitamos, como “pão para a boca” de pensamentos e atitudes ternas, afetuosas. Poderá ser verdade que a pandemia, a Covid-19, viesse acentuar, ainda mais, o “isolamento” dos idosos, mas em muitas situações até deu jeito, veio mesmo a calhar e fico por aqui.
Precisamos, já para ontem, de uma mudança. Todos, à nossa maneira, ricos ou pobres, velhos ou jovens, somos frágeis e precisamos uns dos outros. Ninguém se salva sozinho, ninguém é feliz sozinho. Tenhamos a sabedoria de (re) conhecer que não somos autossuficientes. Os mais velhos não são trapos. Os mais velhos são muitos e cada vez mais, como podemos continuar a ignorá-los, abandoná-los e maltratá-los?
É necessário (re) descobrir as relações (vínculos entre os mais velhos e os mais jovens, se queremos uma sociedade sadia. O encontro entre jovens e idosos é sempre uma experiência enriquecedora, para todos. Precisamos da sabedoria dos mais velhos, precisamos da sua experiência das suas histórias de vida, da sua ternura, do seu colo. E, agradeçamos a Deus, (quem for crente), não ter passado e nunca passar pelas privações que muitos deles vivenciaram no seu tempo e, mesmo assim, apesar dos cabelos brancos, das rugas vincadas no rosto, pela dor e sofrimento, estão sempre ali, para os filhos, os netos, para nós, com um abraço acolhedor, e um sorriso aberto. Que lição de vida, um livro aberto.
Se formos carinhosos com os mais velhos, como eles merecem, verão que teremos menos medo de envelhecer, sim, porque não seremos eternamente jovens. Alguns esquecem-se disso e vão colher amanhã, aquilo que semearem hoje.
Perante o aumento da esperança média de vida e, vendo que não estamos preparados, do ponto de vista ético, moral, é necessário cada vez mais, fazermos um mea culpa e, mais do que isso, uma mudança de atitudes a começar por mim e no interior da nossa casa.
É necessário refletirmos todos, sobre esta realidade, diria até, é um dos desafios mais importantes dos dias de hoje.