O tribalismo é a maior ameaça às democracias liberais?
Caro leitor, muito havia para vos falar sobre o mundo neste artigo que vos escrevo. Israel fez mais uma incursão em Gaza, numa resposta violentíssima ao lançamento de rockets pelo Hamas, após mais um desentendimento relativo aos famigerados colunatos, desta vez na Cisjordânia, as interessantíssimas eleições no Peru, onde os candidatos estão numa espécie de empate técnico, apesar de Pedro Castillo se ter declarado vencedor contra Keiko Fujimori, filha do antigo ditador Roberto Fujimori, um relevante relatório americano sobre a putativa origem do Vírus Sars-Cov 2, causador da Covid-19, ou ainda a definitiva condenação perpétua a Ratko Mladic, o sanguinário carniceiro da Guerra da Bósnia pelo Tribunal Penal Internacional, mas hoje queria falar-vos de algo diferente, queria falar-vos do tribalismo instalado na política e que ameaça o equilíbrio das democracias liberais.
Este tribalismo, do qual já tivemos expoentes com consequências até há bem pouco tempo inimagináveis, como a invasão do Capitólio pelos apoiantes de Donald Trump, tem-se instalado cada vez mais, qual vírus maldito, nas democracias liberais. Este tribalismo é, se quisermos uma consequência do crescimento dos populismos, isto é, uma vez assente o discurso no populismo, há tendência para que se agrave o fosso entre campos políticos opostos, e isto acontece porque o discurso populista tem uma base simples mas brutalmente eficaz, tende a separar os campos entre o “nós” e o “eles”, entre os puros, sem interesses, que vão defender a honra dos homens bons, entre outras banalidades, e os outros, os do sistema, os que se aproveitam do povo, os que “só querem mamar”. Ora bem. Antes de mais vamos estabelecer uma coisa: a democracia não é um sistema perfeito. O clichê é verdadeiro: a democracia é o pior de todos os sistemas, à excepção de todos os outros. Estabelecido isto, isso não valida que o discurso populista seja verdadeiro. Bem pelo contrário, o que nos diz é que temos um sistema que, com as suas imperfeições, garante aos seus cidadãos todas as liberdade e garantias, ao mesmo tempo que lhe garante um estado (no sentido Kantiano da coisa).
O tribalismo, e esta clivagem que grassa cada vez mais em muitas das democracias ocidentais pode também ser entendido como uma consequência das falhas da democracia, e da falta de respostas a alguns problemas aos quais o estado não consegue dar resposta, e, temos de assumi-lo, também o é em parte, mas não o é maioritariamente.
Se olharmos para o caso de Portugal, a título de exemplo, onde o populismo começa a ganhar destaque e o tribalismo começa a fazer caminho, podemos ver que, apesar dos erros, das dificuldades e da muita coisa que falta fazer, este populismo nasce numa época em que podemos afirmar com toda a certeza que nunca tantos portugueses tiveram um nível e uma qualidade de vida tão altos. Se quisermos olhar para os Estados Unidos, Trump conseguiu ganhar as eleições depois de dois mandatos de Obama, que meteram pelo meio a recuperação da maior crise financeira depois de 1929. Isto para dizer que nem sempre a onda cresce de acordo com a realidade, sendo que, obviamente, as realidades são bastante complexas.
O populismo e o consequente tribalismo são muito mais fruto da manipulação de massas e de discursos e soluções fáceis para problemas extremamente complexos do que da realidade.