O Paradoxo estendido no estádio
O futebol tem muita força e essa força pode ser usada para muita coisa boa, nomeadamente para evitar que alguém, por causa da sua orientação sexual ou identidade de género, seja descriminado e segregado. Se não usa a sua força para isto, o futebol não serve para nada.
Em tempos de europeu de futebol, poucas vezes se falou tanto de política como em 2021, e não falo daquele nacional-parolismo de termos os nossos políticos em carreiras organizadas a acompanhar os jogos da Selecção Nacional de futebol, ou nos comentários dos que ficam cá em esplanadas. Falo, essencialmente, nas questões relacionadas com a Hungria, um dos muitos anfitriões deste europeu e estado-membro da União Europeia. Infelizmente, já há muito sabemos dos atropelos da Hungria ao estado de direito, mas agora, coincidentemente com a realização do europeu de futebol, a Hungria fez aprovar uma lei que que proíbe a "representação" da homossexualidade e da transexualidade em espaços públicos, que se traduz, efectivamente, na censura de matérias que sequer mencionem homossexualidade. Esta lei absurda, que consegue a proeza de ser um vil ataque à comunidade LGBTI e, ao mesmo tempo, um ataque total aos direitos e liberdades dos cidadãos, é apenas mais um passo no macabro processo de esvaziamento democrático da Hungria, enquanto a europa assiste, de comunicado em comunicado, ou, como foi o caso do governo português, de neutralidade em neutralidade, impávida e serena.
Aqui é que entra o futebol. Logo após a aprovação desta lei, iria realizar-se o Hungria – Alemanha em Munique e, para esse jogo, a Câmara de Munique, proprietária do Allianz Arena, pediu para iluminar o seu estádio com as cores da bandeira LGBTI, em protesto contra a lei aprovada pelo parlamento húngaro. Ora a UEFA, a quem o estádio estava “arrendado” para o Europeu, não o permitiu, alegando que este acto iria politizar o jogo e, como se sabe, a UEFA gosta pouco que se politize o futebol. Não vou sequer entrar por aqui e dizer que isto não é uma questão política, mas sim uma questão de direitos humanos, vou antes entrar por outro lado, que expõe ao ridículo e deixa a nu a posição da UEFA:
Nos jogos subsequentes, os patrocinadores do Europeu Wolkswagen, Booking e TIK TOK (pelo menos estes eu tenho a certeza, poderão ter sido mais), fizeram passar nas suas publicidades nos estádios, anúncios com as cores da bandeira LGBTI. O que quer isto dizer: que a UEFA pouco se importa com a politização do jogo. Desde que o patrocinador pague, a Booking até pode pedir a demissão do Orbán nos ecrãs gigantes do estádio (perdoem-me a hipérbole). O Rei vai, manifestamente, nu. O futebol negócio chegou ao cume da insensatez.
Sou adepto inveterado de futebol. Gosto do jogo, e gosto tanto que entendo, sinceramente, que o futebol tem poder para mudar o mundo. Podia dar muitos exemplos, mas tenho um que me é muito querido: temos em Portugal meninos pobres nascidos nos bairros mais problemáticos do país, ou na Praia, em Cabo Verde, que são Comendadores!
O futebol tem muita força e essa força pode ser usada para muita coisa boa, nomeadamente para evitar que alguém, por causa da sua orientação sexual ou identidade de género, seja descriminado e segregado. Se não usa a sua força para isto, o futebol não serve para nada.
Acabo como comecei: a roubar o Gilberto Gil:
A novidade era o máximo, o paradoxo estendido no estádio.