Mais desigualdade não, obrigado.
Em Junho de 2021 o Nevin Economic Research (NER) Institute, publicou um paper com seguinte título: Os salários na Irlanda estão distribuídos mais desigualmente do que em qualquer outro país com alto rendimento da União Europeia, concluindo que a desigualdade entre os 10% dos salários mais baixos e os 90% mais altos é maior do que em qualquer país da União Europeia com altos rendimentos, sendo que outros países comparados (Reino Unido, Alemanha, entre outros) estão a encurtar essas diferenças, ao passo que a Irlanda as está a alargar. Numa notícia de Fevereiro de 2019 do The Irish Times, o mais conceituado jornal da Irlanda, podemos ler que “a desigualdade Irlandesa é explicada por níveis anormais de baixos salários e fraca protecção social”.
Porque estamos a falar da Irlanda, perguntará o caro leitor? Ora estamos a falar da Irlanda porque um dos assuntos internacionais de maior interesse na comunicação social e na classe política em Portugal nos últimos meses tem a ver com a admiração com a Irlanda e o seu modelo económico, em muitos casos mostrando a Irlanda como um caso de sucesso intocável. Ora, as coisas não são bem assim. Antes de mais, importa perceber como cada um de nós avalia o sucesso das políticas económicas. Eu faço desde já uma declaração de interesses: o sucesso das políticas económicas mede-se naquilo em que estas se traduzem para os cidadãos, isto é, de que forma estas políticas melhoram a vida de cada um nós. A título de exemplo, e é um exemplo que tem sido amplamente propagandeado, se olharmos apenas para o crescimento do PIB, a Irlanda é, efectivamente um caso de extremo sucesso. Ora aqui começam os verdadeiros problemas. O próprio Ministro das Finanças Irlandês, e o seu economista chefe, dizem que não podemos olhar para o PIB da Irlanda como medidor do sucesso económico do país, uma vez que este é altamente inflacionado pelos resultados das multinacionais, principalmente as tecnológicas, sendo que estas, fruto do sistema fiscal em vigor, pouco ou nada contribuem para as finanças do país, ou seja, produzem muitos lucros, mas pouco (ou nada) contribuem directamente para gerar riqueza que possa depois ser distribuída pelo estado.
Mas, infelizmente, há mais.
Na Irlanda, os 40% da população com menores rendimentos recebe 22% dos rendimentos nacionais, enquanto que os 10% com maiores rendimentos recebem 25% dos rendimentos nacionais, sendo que o 1% com maiores rendimentos recebe quase 5% do total da riqueza nacional.
Ora o que nos dizem estes números? Que a classe média baixa trabalhadora está a lutar para se manter à tona, num país em que os custos de vida, principalmente com a habitação são extraordinariamente altos, e onde a protecção social universal em saúde, rede de creches e habitação é praticamente inexistente.
Consequência? Há relatos de cada vez mais pessoas que trabalham mas que não conseguem viver, estando a aumentar o número de pessoas a viver nas ruas, sendo que mulheres e crianças estão particularmente desprotegidas, com 27,3% em risco de pobreza, ao qual se juntam pessoas com deficiência e pais ou mães solteiros. Uma catástrofe social.
Se quisermos fazer uma pequena comparação, em Portugal o Risco de Pobreza em 2020 situava-se nos 18,4%, após transferências do estado.
Sendo certo que não me é possível, nem os pretendo esconder, este artigo não pretende ser apenas e só uma análise meramente política e ideológica, mas, mais do que isso, pretende desmistificar certo padrões de análise estabelecidos na sociedade e na opinião pública e publicada, que demasiadas vezes pecam por curtos e desvirtuam por completo uma análise que se quer tão profunda quanto possível, para podermos avaliar correctamente as políticas públicas, para se necessário as alterarmos e adequarmos.