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Esta vila não é para velhos

Manuel Ribeiro
Opinião \ domingo, setembro 17, 2023
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Por muito que a propaganda afinada do poder apregoe, a vila não está a ser transformada para os velhos; está a ser edificada contra eles. Afinal, contra todos nós. Nós somos eles.

Vejo a notícia de que as multas de trânsito, estacionamento incluído, estão a atingir recordes de cobrança no primeiro semestre de 2023.

A noticia em si poderia ser vista pela ideia de que existe mais fiscalização e mais eficaz; poderia ser entendida que existem mais infrações; poderia ainda ser vista como que concluindo que os automobilistas são um género incorrigível, principalmente os automobilistas portugueses em território nacional.

Agora, é política da nação colocar limites de velocidade em todo o lado e depois posicionar a autoridade escondida com sensores de velocidade a detetar uns míseros cinco a 10 quilómetros por hora além da velocidade máxima permitida. Sendo contraordenações leves, ninguém se vai dar ao trabalho e despesa de se opor ou indicar outro condutor. E assim se consegue mais receita com menos esforço.

Muita daquela receita é originada por estacionamento indevido, de acordo com as regras instituídas para aqueles locais.

Outras das causas para este elevar de coerção é a eliminação desmesurada de locais para estacionar. A proibição é a moda a seguir. É necessário proibir e proíbe-se. O cidadão que se amanhe. O cidadão desenrasca-se por soluções erróneas, mas as possíveis.

Transitando para as Taipas, é visível que os locais para estacionamento automóvel estão a escassear, principalmente no centro da vila e diminuídos na Alameda Rosas Guimarães. (Parque)

Foi amplamente badalado nas redes sociais o estacionamento em cima da zona de jardim dos canteiros da Alameda do Parque. Também foi notícia que a autoridade cá da vila se interessou por tirar fotografias aos automóveis em infracção para elaborar o auto de contraordenação.

Certo é que, nesses dias, o calor era insuportável e os infractores eram clientes da piscina e queriam, muitos deles, aproveitar também a sombra do parque de lazer.

A infracção foi generalizada e abrangeu todo o actual “empedrado” em frente ao mercadinho, os jardins da Alameda do Parque e ainda a Rua do Principe Parque.

Quando a infracção é massiva, alguma coisa está mal, ou está tudo mal: ou há automóveis a mais; estacionamentos a menos; ou/e a duas coisas.

A realidade é que temos um problema em mãos e temos de o resolver para as pessoas e não contra as pessoas.

Quando se requalifica a “Avenida do Parque” e constrói-se a via sem que um autocarro possa aceder e levá-las para perto do local, principalmente para pessoas de mobilidade reduzida que cada vez são em maior número, não estamos a proteger o acesso a um bem público;

Quando reduzimos ao estacionamento e não proporcionamos alternativas razoáveis, estamos a governar contra as pessoas.

Querer que as pessoas estejam onde não existem estacionamentos a distância razoável é criar uma realidade alternativa.

O pior é que os movimentos disruptivos com influência no poder local querem impor às pessoas, pela força da lei, um modus vivendi que a dinâmica ultrarrápida dos dias não comporta.

Os automóveis, transporte individual na falta de outros, são uma realidade incontornável e estão na linha da frente da transição energética: passam a ser silenciosos e não poluentes.

Devemos é pensar acomodá-los criando parques de estacionamento, não negando às pessoas a possibilidade de se deslocarem, de ir e vir em conforto; sem frio, sem se molharem, e num espaço privado que é só seu.

Um idoso das Taipas, com mobilidade reduzida, não se vai deslocar em transporte público, quer para o centro da vila quer para o parque de lazer. Tem de ser transportado em automóvel. Se não tem lugar para estacionar acaba por não usufruir do espaço público.

Por muito que a propaganda afinada do poder apregoe, a vila não está a ser transformada para os velhos; está a ser edificada contra eles. Afinal, contra todos nós. Nós somos eles.

Como se apresta a ser configurada, esta vila não é para velhos.

[ndr. Artigo originalmente publicado na edição de setembro do Jornal Reflexo]