Do Abril que nunca se cumpriu
A poucos dias do 25 de Abril, e ainda distantes do ébrio romantismo com que somos invadidos na comemoração desta data, impõe-se uma reflexão crítica sobre o estado da nossa democracia 45 anos depois da revolução.
O programa elaborado pelo Movimento das Forças Armadas (MFA), e que está na base do 25 de Abril, era específico nos seus objectivos e elegeu o “combate eficaz contra a corrupção” como uma necessidade imediata do Portugal de 1974.
Infelizmente no que à corrupção diz respeito, os ideais de Abril não se cumpriram. E o mais irónico é que, bastava a vontade daqueles que, na Assembleia da República, de cravo na lapela, celebram, sem cumprir, o 25 de Abril. Se hoje o nosso país tem níveis de corrupção tão elevados é apenas pela falta de vontade política em adoptar medidas concretas contra a corrupção.
Democracia é um valor incompatível com a corrupção. Em Portugal, a corrupção é sistémica, está em todo o lado. A corrupção está tão enraizada que, a nossa sociedade tolera-a. A cunha, o luva, o nepotismo, são muitas vezes vistos como normais e socialmente aceitáveis.
Importa perceber que os efeitos da corrupção não se sentem apenas no plano institucional com o envenenamento da confiança nas instituições públicas e na própria democracia (consequências por si só já demasiado graves). A corrupção tem repercussões directas na sua vida, todos os dias, em vários momentos do seu dia.
Passemos do macro para o micro para percebermos melhor como a corrupção afecta o nosso dia-a-dia.
“Tomemos o exemplo de um município de pequena ou média dimensão. Normalmente, nestes casos a Câmara Municipal, com as suas inúmeras empresas municipais, cooperativas, institutos, e demais organizações, é um dos maiores empregadores”*. Há as associações e instituições, muito dependentes de subsídios e benesses dadas pelo município, e que normalmente estão cheias de militantes do partido. E há ainda as empresas privadas que, por relação comercial, ou por interesse, gravitam à volta da câmara e tudo fazem para agradar o poder
“Nestes municípios, o acesso aos empregos é fortemente controlado pelo poder, criando a ideia de que, para estar nos empregos públicos, não é necessário competência, basta o cartão de militante do partido”*.
“A utilização de meios públicos para distribuir empregos pelos “boys” é por si má, por ser uma situação geradora de injustiça. Mas é ainda mais grave, porque os “boys” contratados têm o poder de tomar decisões, e tomam más decisões porque são incompetentes.”* E quem sofre com essas decisões incompetentes somos nós.
Pagar água e saneamento a um preço mais caro; perder demasiado tempo no trânsito por falta de vias alternativas; pagar licenças camarárias mais caras; cair em passeios degradados; não ter transportes públicos em horários compatíveis; não haver habitação a preços acessíveis; a escola do seu filho não abrir por falta de planeamento da obra, etc. Tudo são exemplos de como a gestão camarária afecta a sua qualidade de vida e de como a corrupção, por nepotismo, por exemplo, o prejudica a si directamente.
45 anos depois do 25 de Abril e 8 anos depois de uma bancarrota, a corrupção continua em alta, a fazer manchete todos os dias nos jornais. A boa notícia é que hoje todos podemos ser capitães de Abril. Celebremos a liberdade dando-lhe uso. Tome a liberdade de denunciar a corrupção, o seu país agradece.
* No passado mês de Março, a Arquidiocese de Braga organizou um debate sobre corrupção em Guimarães. Estas citações são de um dos palestrantes, Prof. Dr. Paulo Morais.