Declarações não sérias
A pessoa é uma: ela mesma e as suas contradições.
Vem isto a propósito das palavras ditas pelo primeiro-ministro António Costa na recente reunião da Juventude Socialista.
António Costa, vestido de secretário-geral do PS, falou sobre salários e zurziu o patronato por recusar aumentos salariais; falou também sobre o significado e perigo de o salário médio nacional estar a ver aproximar-se o salário mínimo nacional, com as implicações económicas e sociais que daí resultam para o desenvolvimento económico e para a fixação de quadros capazes e habilitados a contribuírem para a modernização do nosso tecido económico; falou ainda que os patrões antes de lamentarem a falta de mão-de-obra deviam olhar para a folha salarial da sua empresa.
Palavras sensatas, palavras oportunas, palavras adequadas a uma plateia de raparigas e rapazes prontos a entrar no mundo do trabalho ou recém-entrados nesse mundo onde imaginam legitimamente aspirar a boas condições de trabalho com salários justos.
Quem acabado de entrar na sala do encontro ouvisse estas sábias palavras, esta chamada de atenção a um patronato que só sabe pedinchar e é pouco propenso a repartir com sentido de equilíbrio a riqueza criada nas suas empresas, e não soubesse que o António Costa, secretário-geral do PS, é o mesmo António Costa, primeiro-ministro, que há oito anos é responsável por um governo que administra Portugal, não poderia de ficar espantado: aquele António Costa perorava como virgem sem mácula, como político da oposição.
É descaramento a mais para mim.
Cabe ao governo de turno definir e aprovar o montante do salário mínimo nacional – SMN, sendo sabido que a introdução desse valor acarreta efeitos marginais em toda a economia e em indexantes associados, como por exemplo taxas da Justiça. O SMN aqui referido tem força de lei, aplicando-se às atividades económicas privadas.
Além deste SMN temos o valor mínimo pago aos trabalhadores da administração publica e esse é também uma decisão política que compete a quem, a cada momento, é governo.
Logo, estamos em presença de dois momentos em que quem governo decide sobre salários e vencimentos, não sendo honesto falar como se as revisões salariais deixassem os governantes de fora.
Mas há mais, obviamente.
Desde logo e porque o exemplo deve vir de cima, o governo traça a sua política de pessoal para os funcionários públicos, dos trabalhadores de limpeza, aos trabalhadores do Serviço Nacional de Saúde, dos polícias aos militares e trabalhadores da Justiça e da Educação.
Como bem se sabe, estes trabalhadores têm lutado contra o congelamento de carreiras e por ordenados dignos, ao que o governo responde com piedosas intenções, mas nenhuns atos.
E também quanto aos trabalhadores em empresas privadas, sendo inegável não competir ao governo promover aumentos salarias, compete-lhe criar as condições para que esses aumentos aconteçam.
Como?
Definindo regras que facilitem o diálogo entre patrões e sindicatos, concretizando princípios que foram roubados aos sindicatos a pretexto da troica, repondo a contratação coletiva como domínio privilegiado onde patrões e trabalhadores apuram uma mais justa repartição da riqueza criada em cada sector de atividade.
Falando como falou, António Costa quis passar a mensagem de nada ter a ver com estas matérias. Mas tem.
Por isso, mentiu.
E quem mente não merece confiança.