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Dar de volta

Samuel Silva
Opinião \ quinta-feira, fevereiro 13, 2020
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A Guimarães 2012 teve um impacto de 85 Milhões de Euros no Produto Interno Bruto nacional. Apenas em receitas fiscais, o evento gerou, só no ano de 2012, 30,8 milhões de euros, que foi mais do que o dinheiro que o Estado central colocou na organização. Ou seja, em linguagem simples, a CEC deu lucro ao país.

Poucos foram os que se lembraram de assinalar os oito anos da abertura de Guimarães 2012, no final do mês passado – o que não deixa de ser sintomático de um fenómeno de apagamento que já tenho denunciado neste espaço. Esse esquecimento é ainda mais significativo se tivermos em conta que 2020 era o ano para o qual estava apontado o grande balanço do impacto da Capital Europeia da Cultura (CEC).

A agência Lusa aproveitou a ocasião para publicar um par de notícias sobre o tema. Um dos artigos coloca a ênfase no impacto económico que o evento teve para o concelho e o país, recuperando números da época, fruto de um estudo da Universidade do Minho (UM), que nunca deveriam ter saído das nossas cabeças.

A Guimarães 2012 teve um impacto de 85 Milhões de Euros no Produto Interno Bruto nacional. Apenas em receitas fiscais, o evento gerou, só no ano de 2012, 30,8 milhões de euros, que foi mais do que o dinheiro que o Estado central colocou na organização. Ou seja, em linguagem simples, a CEC deu lucro ao país.

Além de ter dado lucro aos cofres então depauperados do Estado, a Guimarães 2012 também foi benéfica para as empresas. Os gastos dos visitantes da cidade cresceram, naquele ano, 12,4 milhões de euros. O volume de negócios das empresas da região aumentou 80%.

A projecção internacional da cidade foi um dos ganhos mais evidentes da CEC e os seus resultados continuam a ser visíveis nos números crescentes do turismo. E é inegável que esse é um efeito duradouro da aposta da cidade na arte e na cultura. Portanto, aos impactos financeiros medidos em 2012 pela Universidade do Minho, há que somar os resultados que se prolongaram no tempo.

Estes números mostram que a Guimarães 2012 serviu de almofada no ano mais duro da crise. Um “oásis” como lhe chama, muito justamente, uma das notícias da agência Lusa. A cidade viveu numa “bolha”, escapando dos efeitos mais devastadores da política de austeridade que então destruía o país. E esse é um facto que devia merecer reconhecimento do sector empresarial do concelho e da região, que teve na cultura um apoio em tempos negros.

Sobre o escasso retorno que as empresas dão ao concelho por todas as benesses recebidas do Município já aqui escrevi antes. Qualquer entidade que tenha tentado contactar os empresários da região para garantir apoio a um qualquer projecto cultural perceberá que só um punhado deles entende, de facto, a importância do que se está a tentar fazer neste território.

Não é um problema exclusivamente local. Portugal tem dos piores gestores e dos empresários menos qualificados da Europa. Não será fácil encontrar quem tenha a mínima apetência pela arte, assim sendo. E também é verdade que o anémico capitalismo português está sempre pronto a encostar-se ao Estado, para seu próprio ganho, mas há muito perdeu a sensibilidade de dar de volta à comunidade.

O que resulta curioso é que dois dos maiores beneficiários directos da CEC e da política pública de acesso à arte e cultura de Guimarães continuam a demitir-se de ter uma participação activa nesta aposta. O Estado, que lucrou efectivamente com a Guimarães 2012, optar por ignorar o lugar absolutamente único que o Centro Internacional das Artes José de Guimarães desempenha na paisagem cultural do país. E as empresas, que continuam tirar dividendos do evento em muitos sectores, preferem ignorar o papel que devem desempenhar perante as comunidades que as recebem. São esses os actores que faltam para sedimentar hoje esta aposta com 30 anos.