Israel e Gaza - Sim. É preciso contexto
Caro leitor, comecemos este artigo por uma declaração clara, inequívoca e definitiva: o que aconteceu na manhã de 07 de outubro em Israel, os ataques perpetrados e levados a cabo pelo Hamas, com consequências nefastas e que abalam qualquer pessoa que tenha visto algumas das imagens que nos foram mostradas são um ato bárbaro de terrorismo, absolutamente indefensável sob qualquer ponto de vista e que merece esta condenação clara, inequívoca e definitiva. Acrescentar apenas que o Hamas é um grupo terrorista indefensável que não reconhece o direito à existência do Estado de Israel nem dos judeus na Palestina. O Hamas defende uma ditadura teocrática para a Palestina, governa Gaza com mão de ferro e não pode, nem deve, ser confundido com a causa palestiniana. O Hamas deve ser erradicado.
Dito isto, é importante perceber que o conflito israelo-palestiniano não começou na manhã de 07 de outubro. Provavelmente em todas as eras alguém terá dito algo muito próximo daquilo que eu vou dizer, mas a verdade é que vivemos hoje tempos estranhos em que as opiniões parecem estar cada vez mais radicais e em que dá a sensação que quem não está connosco está contra nós, seja ela qual for a discussão, principalmente no âmbito político, e ainda mais nas discussões respeitantes a este conflito.
Qualquer afastamento da espuma dos dias para enquadrar ou contextualizar o conflito é recebido por algum dos “lados” com sete pedras na mão. Há um vídeo do famoso humorista norte-americano Jon Stewart que retrata isto na perfeição: quando o humorista apenas diz a palavra “Israel”, saltam para os seus ouvidos 4 ou 5 pessoas aos berros a dizer coisas do tipo: “Qual é o problema? Israel não tem direito a defender-se?”, ou “se o México bombardeasse o Texas, nós não nos podíamos defender”, terminando com um lacónico “tu és um judeu que se odeia!” (Jon Stewart é judeu). Depois, John Stewart continua e diz que a simples menção do nome Israel ou a colocação em causa das suas políticas não é o mesmo que ser pro-Hamas. Imediatamente, saltam novamente os 4 ou 5 personagens e desatam a gritar: “Libertem Gaza! Libertem Gaza!”, ou ainda “seu porco Sionista!”.
Este vídeo, cujo link deixo aqui é uma sátira hiperbólica, mas a realidade é que a discussão sobre este tema está a atingir níveis arrepiantes. E não, caro leitor, não estou a falar da discussão nas redes sociais, estou a falar, por exemplo, da discussão nas televisões ou, pior ainda, nos meios diplomáticos, com o exemplo paradigmático da reacção de Israel às declarações de António Guterres. O que António Guterres diz é, na verdade, uma declaração clara e ponderada sobre a situação. Como podem ver no vídeo que vos deixo aqui, Guterres começa por condenar de forma clara os ataques do Hamas, dizendo que “num momento crucial como este, é vital ser claro nos princípios, começando pelo princípio fundamental de respeitar e proteger os civis. Condenei de forma inequívoca o ato terrorista do Hamas de 07 de Outubro. Nada pode justificar a morte, ferimento e rapto de civis, ou o lançamento de rockets contra alvos civis. Todos os reféns devem ser tratados com humanidade e devem ser imediatamente libertados sem qualquer condicionamento.”
Depois desta condenação, António Guterres diz o óbvio: que este ataque não aconteceu do nada, que aconteceu porque há todo um contexto histórico que levou a este momento inaceitável e injustificável. Por mais bárbaro, inaceitável e injustificável que seja o ato de terror do Hamas, é importante perceber que o conflito Israelo-Palestiniano não começou a 7 de Outubro. É importante perceber que há um historial de ocupação dos territórios palestinianos por Israel, em clara violação das resoluções das Nações Unidas, esventrando comunidades e famílias palestinianas. É importante percebermos, como diz Richard Zimler, escritor judeu norte-americano radicado em Portugal em entrevista à TSF, que “Israel não quer ver a relação entre a ocupação de Gaza e o terrorismo. De facto, há uma ocupação e condições de vida terríveis na Faixa de Gaza e em parte, como consequência disso, há uma geração de pessoas que acham que a melhor solução para os palestinianos é o Hamas.” Também é Richard Zimler suspeito de ser pro-Hamas ou de defender aqueles ataques bárbaros? Claro que não. Mas é importante enquadrar e contextualizar o conflito para melhor o compreendermos e para que se possam dar passos para a sua resolução. É importante perceber que o que está a acontecer em Gaza neste momento viola o direito internacional humanitário. É importante perceber que a punição coletiva é um crime de guerra. É importante perceber que o Hamas tem de ser erradicado e que os representantes políticos de Israel e da Palestina devem sentar-se e retomar a negociação de uma solução de dois estados. Bem sei, caro leitor, o quão vazio soa o meu apelo, mas, acima de tudo, é importante perceber que já demasiado sangue inocente, de ambos os lados da barricada, foi derramado.