19 abril 2024 \ Caldas das Taipas
tempo
18 ºC
pesquisa

A ascensão silenciosa

Pedro Mendes
Opinião \ sexta-feira, março 17, 2023
© Direitos reservados
O ocidente já há muito que está a perder este jogo, sendo que, o mais grave, é que parece ainda não ter percebido que o está a jogar.

Há mais de 15 anos tive o enorme prazer de fazer parte da organização de uns colóquios do curso de Relações Internacionais da Universidade do Minho subordinados ao tema “China - A Ascensão silenciosa”. Eram outros tempos, em que a China cimentava o seu brutal crescimento económico de dois dígitos ao ano e começava a criar raízes um pouco por todo o mundo, principalmente em África. Hoje, esta ascensão já é menos silenciosa. A China já, mais do que raízes, tem florestas inteiras plantadas em África, na América do Sul e até na Europa e nos Estados Unidos, dominando sectores estratégicos da economia (nunca é de mais lembrar a REN, a EDP e o BCP), ou até sendo dono de largas percentagens da dívida pública de países como os EUA.

Ao mesmo tempo, e numa evolução estratégica, ou, se quisermos, numa consequência desta estratégia, a China vai-se afirmando cada vez mais no campo diplomático. O seu posicionamento na questão da invasão da Ucrânia pela Rússia é talvez o primeiro momento fundamental da história mundial em que a China demonstra uma verdadeira e fundamental capacidade de liderar, mesmo que de forma dissimulada, o jogo diplomático.

Foi à China que Putin foi antes de lançar a invasão e, neste momento, a China será possivelmente o único actor mundial capaz de parar a invasão, se o quisesse fazer. Aparentemente não quer, uma vez que, apesar de ter, nas últimas semanas, apresentado um guião para a paz, notícias dos últimos dias dão-nos conta de que Xi Jinping deverá visitar Moscovo nas próximas semanas, naquilo que é visto como uma clara e poderosa demonstração de apoio a Putin.

A China continua, e continuará, com a sua estratégia dúplice e dissimulada de apoio mais ou menos declarado à Rússia e de apresentação de planos de paz, mas, no final do dia, só há uma certeza: a China vai sempre, mas sempre, fazer o que lhe for mais proveitoso em cada momento, independentemente daquilo que forem as necessidades dos seus parceiros ou daquilo que for necessário para encontrar a paz.

E, caro leitor, contrariamente ao mundo ocidental, a China não está a jogar um jogo de curto ou sequer de médio prazo, apesar de, obviamente, ajustar as suas estratégias ao momento, por forma a retirar dele o melhor proveito. A China está a jogar um longuíssimo jogo de xadrez que começou no final dos anos 80 e que se joga muito lentamente, em cada país e em cada pequeno laivo de domínio estratégico.

O ocidente já há muito que está a perder este jogo, sendo que o mais grave é que parece ainda não ter percebido sequer que o está a jogar.