De geração em geração, há uma lenda que não se perde
De geração em geração, de boca em boca, a história não deixa de ser ouvida. Era uma vez uma lenda, trágica e romântica, que tal como os grandes romances literários de Otelo (Shakespeare) ou Caim (Saramago), prende e faz admirar quem a ouve. No caso, não em Inglaterra, nem no Brasil, mas sim no Minho, em pleno centro da freguesia de Sande São Martinho.
O tempo passa e os avós continuam a transmitir a mesma história de pecado e drama. Quatro irmãos, que por amor à mesma jovem, se enfrentaram. No final, não lhes adiantou a moça, mas uma rua, à margem da estrada antiga, onde desconfortavelmente se passa de carro no paralelo e que vai desembocar em Guimarães.
Neste local onde terão sangrado os irmãos, está registada a referência física e em nome da triste história, a rua dos Quatro irmãos, onde se apresentam quatro penedos, ou dólmens, representantes de sepulturas, de quem não se sabe ao certo a quem pertencem. Hoje, são vestígios de grande valor histórico, que pertencem à Via Romana e atraem forasteiros, pela curiosidade. Amélia Silva e Andreia Leite são mãe e filha, oriundas desta freguesia periférica de Guimarães, e falam da rua como parte importante da identidade da freguesia. Uma via conhecida e prática para atalhar, onde passam muitas pessoas. “No fundo acho que, mais do que um caminho de Sande, é um caminho de todos, porque é uma lenda muito conhecida na região”, entende Andreia.
Apesar da diferença de idades, ambas retêm na memória aquilo que desde crianças ouviram. “Eu lembro-me de ouvir desde sempre, em casa e na escola. Já vem um bocado de geração em geração e a curiosidade é mesmo o facto de haver mais que uma versão. Mesmo na escola, as professoras não deixam que a lenda se perca e vão passando às crianças. Faz parte da identidade da freguesia”, explica a mais nova.
Tal como a residente diz, a fantasia popular divide-se entre versões. A menos chamativa e que menos se verbaliza, acredita que o atrito fora provocado por ambição, por uma questão de águas e terrenos. Já a mais famosa e romântica, transmite o triste fado de quatro irmãos, que por serem órfãos, eram muito unidos e sem histórico de rixas, já que faziam da sua fraternidade o consolo de não terem pais. No entanto, numa ida à Feira Grande, a de São Torcato, foram atendidos por uma jovem, descrita com extrema beleza e extrema simpatia com cada um dos irmãos. O consequente encanto do quarteto, acabou por os levar a apaixonarem-se pela mesma mulher e por a disputarem, à paulada, até à morte. O sacrifício fora inútil já que a jovem feirante ignorara a luta. O abade da freguesia, também tio da jovem, ainda foi a tempo de absolver o último dos irmãos e acabou por saber pelo que disputaram ao longo de horas. Vai daí, a jovem poderá ter acabado por perceber que não se deve namoriscar com irmãos.
O drama leva a que muitos o representem. Amélia Silva recorda os momentos da sua infância em que, meninos, faziam do conto teatro. “Os miúdos da minha infância iam para lá imitar a lenda e fingir que lutavam, como os irmãos, por uma rapariga”, partilha.
Lenda ou não, o local continua a marcar idades e a entusiasmar habitantes. Andreia e Amélia valorizam a história e arriscam-se a dizer que tem polvilhos de verdade. “De facto, as lápides estão lá, algum fundo de verdade deve ter. Até porque mete a questão do abade e a igreja de Sande foi, de facto, um mosteiro”, salienta.
A fantasia é muito conhecida, mas para as duas íncolas, a “enorme carga histórica” que aquele pedaço de Sande acarreta deveria ser mais valorizado. “Acho que deve haver uma maior atenção e preservação desse caminho, porque é a nossa identidade. E se historiadores se interessam pela valorização desses monumentos, também deve partir da terra essa valorização”, aponta Andreia.