[REPORTAGEM] CC Taipas Centenário - Uma das bandeiras da vila faz 100 anos
Tendo a formação como “pilar”, dos altos e baixos de um percurso centenário, é num Montinho com o rótulo de campo mais antigo de Guimarães que se centram as preocupações. Há obras urgentes a fazer. Unir os taipenses é outro dos propósitos, enquanto se vai recuperando a mística.
O Clube Caçadores das Taipas completa no dia 23 de novembro – quinta-feira – 100 anos de existência. Uma das principais bandeiras da vila, senão a principal, atinge um marco simbólico na sua história, sendo a terceira associação mais antiga de Caldelas, a seguir à Banda Musical das Taipas, que completou recentemente 189 anos, e aos Bombeiros das Taipas. “No distrito o terceiro”, tal como se pode ouvir no seu hino oficial, apresentado há seis anos no jantar comemorativo dos 94 anos do clube, o CC Taipas é, mais do que uma referência na comunidade, um clube histórico no distrito: o terceiro clube mais antigo da Associação de Futebol de Braga e o segundo do concelho, após a fundação do Sporting de Braga (1921) e do Vitória SC (1922).
Como o próprio nome indica, nasceu com o pendor para ser uma coletividade dedicada à prática de caça desportiva, mas rapidamente o campo de tiro deu lugar ao futebol, ainda que o clube tenha ficado sempre com o rótulo de “caçadores”. “No verde da esperança pela caça da vitória – E na força do javali na conquista da glória” é outra passagem hino do clube, que tem letra de Patrício Ferreira, espelhando os principais traços identitários do CC Taipas.
Com nomes relevantes do futebol nacional a contarem com passagens pelo emblema taipense, como Moreno, César Peixoto, Juanico, Milhazes ou Zé Manel, o CC Taipas tem no Montinho a sua casa de sempre, o campo de futebol mais antigo do concelho. Com três Taças da AF Braga no seu palmarés, foi na tarde de 31 de maio de 1998 – há 25 anos – que o CC Taipas escreveu uma das mais bonitas páginas da sua história, ao subir pela primeira vez à II Divisão B, patamar mais alto alcançado até hoje. Mas a essência do CC Taipas está na ligação à vila e às suas gentes, sendo um dos seus baluartes e uma das instituições que mais gente movimenta. Nestes 100 anos de história foram milhares de jogadores a envergar a camisola do clube, centenas de treinadores e dirigentes.
Carlos Ferreira e os “tempos difíceis” a meio da caminhada
Recuando até ao início da década de 70 do século passado, já lá vão cinco décadas, entramos na governação do presidente mais antigo do clube que está ainda vivo: Carlos Ferreira. É um exemplo das muitas pessoas que, com o seu contributo, ajudaram a construir o CC Taipas. Atualmente com 79 anos, recorda a vinda para as Taipas quando o pai assumiu o comando do posto da GNR, acabado de criar. “Era tudo muito diferente”, conta ao Reflexo com um ar nostálgico de quem tem de fazer um esforço para chegar ao baú das memórias. Natural da freguesia de Oliveira do Castelo, depois de fazer a formação no Vitória, acabou também por jogar de javali ao peito. “Embora não fosse um jogador com grandes expetativas, joguei com o Zeca Russo, o Tónio Casca, o Juanico, o Zeca Fogueteiro ou o Zeca Murteira”, dá nota.
Radicado em Valença, confessa que há já muitos anos não vai ao Montinho, recordando o “campo modesto e pobre” da sua altura. “Tinha uns balneários baixinhos, uns poucos degraus de bancada e uma rampa com peão”, explica. Não esteve muito tempo à frente dos destinos do clube, apenas um mandato, porque no final de 1972 foi nomeado ajudante de escrivão. “Tinha de ir para o Porto à segunda-feira e vinha ao sábado. Não tinha condições para continuar a ser presidente. Nem pensei em recandidatar-me para dar o lugar a outros, que tivessem perto e se pudessem dedicar com mais tempo ao clube”, pontua.
As memórias vão-se perdendo, até porque se desligou um pouco do clube, reconhece, mesmo tendo-se afeiçoado às Taipas. Na sua passagem pelo clube o cenário era de “grande dificuldade económica”. “A maneira de arranjar dinheiro era diferente, muito difícil. Tínhamos de arranjar dinheiro para comprar umas bolas e muitos jogadores jogavam para comer uma sande no fim do jogo”, remata.
O clube era, necessariamente, diferente. As mentalidades também o eram. “Não havia as ambições que hoje se tem. O futebol, e estes clubes, sempre tiveram altos e baixos, por vezes pensava-se que iam acabar, noutros momentos tinham maior vigor. Antigamente procurávamos resolver os problemas do dia a dia, a ideia era diferente. Hoje há expetativas de engrandecer a terra, o clube, as pessoas: sabe-se o valor das coletividades para as comunidades”, sustenta Carlos Ferreira, prometendo regressar em breve às Taipas.
Ainda do seu tempo, recorda um exemplo de dedicação para elucidar a forma como os clubes chegaram até aos dias de hoje, graças a histórias de uma entrega incomensurável. “O Juanico era um exemplo tremendo. Engraxava as chuteiras, lavava a roupa, marcava o campo, jogava e fazia o que fosse necessário. Havia pessoas dedicadas, mas o Juanico destacava-se”, conclui.
“Espero que o Taipas possa chegar ao patamar que merece”
“O meu pai esteve 40 anos ao serviço do Taipas, é uma vida. Foi muito sacrifício, adorava o Taipas. Uma coisa por demais”. Quem o diz é Joanico, filho. Adotou a alcunha do pai e será um dos taipenses que primeiro terá voado no mundo do futebol, depois de começar a carreira como sénior no CC Taipas.
Antes da carreira, com os tempos áureos no Belenenses – e o dia 28 de maio de 1989 como epílogo, com o golo que deu a Taça de Portugal ao emblema do Restelo –, Juanico estava bem presente nas lides do pai. “Era roupeiro, marcava o campo, jogava à bola. Eu tinha 11 ou 12 anos e ajudava a marcar o campo, às vezes com neve e gelo. Para aquecer, bebíamos logo de manhã um bocado de bagaço, com um pão seco, para aquecer e ter força para marcar o campo”, lembra.
Juanico, e continuamos a falar do pai, ficou célere pelas cambalhotas que dava no banco de suplentes quando o CC Taipas marcava golo. Sentia cada um desses momentos como poucos. “Estou a arrepiar-me ao falar disto”, diz o filho, evocando a memória do pai. “O meu pai e a minha mãe, num tempo em que não havia as condições que há hoje, tinham de ir para o rio lavar a roupa. Tanta coisa passaram ali, frio. Só nós, a família, sabemos. Fizeram mesmo muito pelo Taipas, e por isso acho que mereciam mais qualquer coisa, mais reconhecimento”, desabafa.
Passando para a sua história, depois de cumprir a formação no Vitória SC, Juanico – filho – estreou-se como sénior no Montinho. Começou e acabou a carreira no CC Taipas, com vários anos de 1.ª Divisão pelo meio. “Foi um clube que me deu alguma forma de crescer no futebol. Foi a partir do Taipas que comecei a dar mais nas vistas”. Sente, por isso, “um carinho especial” pelo clube da sua terra. “Foi onde nasci, cresci, onde dei os meus primeiros pontapés na bola: sinto e vou sentir sempre o Taipas”, esclarece.
Um “taipense de gema”, como faz questão de frisar, olhando para o clube atualmente, Juanico acredita que podia estar noutra patamar. “Deixa-me pena o lugar em que o Taipas está neste momento. Espero que possa chegar ao patamar que merece. É um clube para patamares acima. Há uns anos qualquer equipa tremia quando vinha jogar ao CC Taipas, e neste momento não estou a sentir isso”, conclui Juanico, atualmente com 64 anos.
Há “muito a trabalhar e a melhorar” num Taipas “mais credível”
O CC taipas cumpre o seu centenário com a equipa principal a disputar a Divisão de Honra da AF Braga, o setor intermediário do futebol distrital, uns furos abaixo daquele que tem sido o seu patamar habitual. Bruno Ferreira é, aos 34 anos, o presidente do clube, liderando uma direção jovem que herdou uma situação financeira delicada. “Ainda temos muito a trabalhar e a melhorar. Mas, temos um Taipas um pouco mais credível do que aquilo que recebemos”, considera, relativamente a uma instituição em que “ainda se tem de gerir tudo com pinças”.
Tem tentado melhorar as infraestruturas no Montinho, que há vários anos aguarda por um novo relvado, de futebol de 7. Bruno Ferreira acredita que esta questão deve ser o principal foco do CC Taipas. “O projeto das infraestruturas é crucial: precisamos, urgentemente, de impermeabilizar a bancada e de crescer em espaço, com o campo debaixo, que é fundamental para o crescimento da formação, para lhes poder dar condições condignas”. “Estamos numa fase crescente, não podemos estagnar a esse nível”, diz, apontando a formação como o “pilar do clube”.
Em relação às obras, a direção continua a “aguardar e a trabalhar o projeto, bastante demorado e burocrático”. “Vamos fazer de tudo para avançar com as obras até final do mandato”, aponta. Uma intervenção essencial para dar continuidade ao departamento e formação, que conta nas suas fileiras com aproximadamente 180 jovens, dos juniores aos petizes, em que o mais novo tem apenas quatro anos.
“Torná-los melhores meninos para no futuro serem melhores homens”
Exige “muita logística”, acrescenta Joel Costa, o coordenador da formação. “O campo de futebol de 7 que espera obras dava muito jeito, outro alento para organizar melhor as coisas, mas neste momento temos tempo suficiente para todas as equipas” e “para cumprir a nossa missão”. Uma missão, assim encaram, de criar uma sociedade melhor através do desporto, neste caso o futebol.
“Queremos evoluir os miúdos, em primeiro ajudar ao crescimento deles como pessoas e a partir daí formar jogadores de futebol. É ao que nos propomos todos os dias, torná-los melhores meninos para mais tarde serem melhores homens. Nem todos vão sair jogadores, mas aprendem a estar em grupo. Se pudermos, ajudamos os pais com a escola para terem bons resultados a todos os níveis”, explica o coordenador de um departamento que movimenta diariamente dezena de miúdos de dez equipas diferentes.
Joel Costa foi, de resto, um dos principais alicerces da certificação da formação do CC Taipas por parte da Federação Portuguesa de Futebol. “Ajuda a ter mais ferramentas para tomar decisões. É muito bom para o clube”, crê, olhando para o futuro com a meta de ir colocando equipas nos nacionais. “Queremos crescer passo a passo, fazendo com que as nossas equipas se tornem mais competitivas, principalmente a partir do futebol 11, e devagarinho, possivelmente, chegar aos nacionais. Mas a nossa maior vitória é vê-los chegar aos seniores, ou até outros patamares”, termina.
Voltando a Bruno Ferreira, presidente do clube, foca-se, para terminar, na questão dos sócios e simpatizantes do clube. É necessário recuperar a mística de outrora e sentir a “união dos sócios”. “Sou jovem, mas do tempo em que tínhamos estádio cheio, muitos simpatizantes, e isso foi-se perdendo, essa mística. Felizmente já temos vindo melhorias nisso, temos visto mais gente no estádio, mais sócios novos, pessoas antigas a voltar a ter ligação ao clube”, remata: “Temos de estar todos unidos em prol do Taipas”.