A história de um casal que se livrou da Covid-19
A Covid-19 alterou hábitos de uma forma geral, com um impacto estrondoso na sociedade. Mas teve ainda mais peso na vida de um casal que foi infetado pelo novo coronavírus. Contam a sua história o Reflexo, preferindo manter o anonimato. Uma história em que nunca um período de cinco semanas foi tão longo. As regras parecem ser do conhecimento geral, toda a gente parece ter presente a forma de fazer isolamento mas a sua operacionalização não é tão simples como pode parecer, garantem.
O vírus entrou em casa por via do emprego de um dos conjugues, e num dos casos foram necessários três testes de despiste para que fosse possível gritar liberdade. Ainda numa fase embrionária desta pandemia, a garganta teve um ligeiro arranhar, mas nada que os tradicionais comprimidos para o efeito não resolvessem. A cabeça também doeu ligeiramente mas o descanso atenuou tudo. A vida seguia normal, até que um telefonema do delegado de saúde fez juntar as peças. Um trabalhador próximo estava infetado e havia a possibilidade de contágio. Quando à partida nada fazia suspeitar de um caso da Covid-19, após esse telefonema os sintomas, afinal, pareciam dar sinal.
“Nuca pensei que fosse o vírus. Os sintomas eram todos normais, até a tosse seca que normalmente tenho nesta altura do ano. Mas quando juntei tudo no decorrer do telefonema percebi que podia estar infetada. Tive de ir fazer o teste a Braga, foi na fase de maior aperto em que era difícil arranjar testes e para fazer em Guimarães só conseguiam três dias depois”, conta a esposa, que de imediato se confinou a um quarto. O contágio do marido foi inevitável e a nova rotina também, ele que antes de saber o resultado da esposa deixou também de ir trabalhar por precaução.
Sintomas foram ligeiros mas a rotina tornou-se penosa
“Nuca tive dores insuportáveis, ou sintomas que se possam considerar verdadeiramente incomodativos. Na realidade a doença nunca foi um grande mal para nós, mas o confinamento a meias com as notícias constantes sobre o tema levaram a que houvesse receio, ainda para mais quando havia tanta e tão diversificada informação. É óbvio que, mesmo não sentido grande coisa a nível físico, tive receio. Afinal, mesmo a percentagem sendo baixa, diariamente era, e é, feito o balanço do número de mortes e nós estávamos a passar pelo mesmo. Estávamos no meio daquele número de infetados, mesmo sem sentir grandes dores a realidade é que estávamos doentes. O que víamos diariamente? Centenas de mortes em Itália, ventiladores necessários em Espanha, hospitais de campanha a serem montados e os cemitérios a fazerem-se curtos. Como não haveríamos de pensar em tudo isto?”, questiona o marido.
Ambos testaram positivo, seguindo-se cinco semanas em que estar em casa foi como uma prisão. Cada um esteve confinado num quarto, a casa de banho não pode ser partilhada e a desinfeção dos espaços tinha de ser constante, da loiça, da bandeja das refeições que eram feitas nos quartos, dos talheres. Como a imunidade não era, e continua a não ser, uma certeza absoluta, não contactaram durante cinco semanas, para evitar que quem se livrasse primeiro do vírus não corresse o risco de voltar a ser infetado.
“Há muita informação mas também muita incerteza. Quando isto começou diziam-nos que teríamos de fazer dois testes negativos. Volvidas cinco semanas com apenas um teste foi possível retomar a nossa vida, regressar ao trabalho. A médica de família ligava-nos todos os dias, para perceber a evolução da situação e dar indicações, prescrever os testes. Felizmente não passou disso, mas o arrastar do tempo começou a ser penoso, principalmente quando os testes de despiste, dois meus e um da minha esposa, deram positivos. Tínhamos quem nos trouxesse as compras, nunca nada nos faltou, mas ver as pessoas da janela e até dentro de casa, para sair do quarto, andar de máscara tornou-se uma rotina demasiado pesada”, recorda.
Respira-se melhor mas o receio ainda não passou
Ao segundo teste de despiste a esposa ficou positiva, o marido ainda teve de esperar. A garganta de vez em quando arranhava, perderam ligeiramente o paladar. As dores do corpo também foram sentidas, a nível muscular e dores de cabeça. Mas o que mais inquietou foi estar fechado dentro de quatro paredes. “A internet pode levar-nos a qualquer lugar e a televisão mostrava-nos o que se passava lá fora, mas não deixávamos de estar dentro daquelas quatro paredes. A família foi importante, claro, nunca faltou uma palavra e tudo o que necessitámos. Mas não é a mesma coisa e o desgaste foi enorme”, atiram. Já retomaram a vida que tinham antes de terem sido infetados e respiram melhor nesta fase. “Nem imaginam o que uma simples caminhada pode significar”, diz o marido, mas o receio ainda não passou. “Já nos disseram que a máscara não é necessária em algumas situações, mas mesmo assim ainda tenho muito receio de sair à rua sem máscara”, assegura.
Durante este período as únicas saídas que tiveram foi mesmo para a realização dos testes. Um medo aterrador a sair, parecendo não pertencer ao mundo lá de fora. “Até para fazer os testes era um misto de sentimentos, Por um lado saímos de casa, mas por outro lado saímos com medo de tudo o que mexia, com medo quase de trocar no próprio carro. Não se pode dizer que fazer o teste com a zaragatoa seja algo muito difícil, ou aflitivo, mas a verdade é que causava algum desconforto momentâneo”
Quase sexagenários, não estavam enquadrados nos grupos de risco, passaram por isto ao de leve, mas ao mesmo tempo não esquecem as cinco semanas fechados num cómodo da casa. “Penso que não ficamos com qualquer sequela, a nível da doença no nosso caso não podemos dizer que realmente tivesse sido algo doloroso. Mas o confinamento aliado ao receio, esse sim, foi duro. Uma coisa é estar em casa, poder andar livremente em toda a casa, sair para uma caminhada ou para ir às compras. Mas, outra coisa é estar sempre no mesmo quarto, quase já sem posição para estar e com receio do que poderia estar para vir porque na realidade ainda ninguém sabe muito bem como isto é e, mais importante, como irá embora”, atira.