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Viver entre notificações

Ana Sofia Freitas
Opinião \ quinta-feira, junho 12, 2025
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Estamos a tornar-nos incapazes de estar, de verdade, onde estamos. Sempre atentos ao que pode vir, esquecemo-nos de viver o que já veio.

Será que faz sentido desligarmos toda e qualquer notificação? Será que conseguimos viver sem qualquer comunicação com o mundo digital? Desocupar a mente, com tudo aquilo que nos põe em alerta. Conseguir olhar a beleza da monotonia do real.

Acordo com o som seco e insistente de uma notificação. O dia ainda nem começou, e o mundo digital já me exige presença. Deslizo o dedo pela tela como quem assina um contrato que não leu: promoções relâmpago de uma loja que visitei uma vez em 2019, mensagem do banco a lembrar-me que falta pouco para eu ficar com saldo negativo... Como se eu me fosse esquecer desse facto!

Abro o meu e-mail, vejo dois “urgentes”, três “importantes” e uma newsletter de meditação que, ironicamente, deixa-me ainda mais ansioso. As redes sociais notificam os primeiros stories pela manhã. Vídeos de café, frases motivacionais, selfies com filtros suaves. A verdade, é que de alguma forma, tudo isto me torna bastante atrasado, para viver a vida real!

Vivemos entre notificações. Entre alertas, alarmes, entre “plims” enquanto estamos a descansar. Notificações que embora pequenas, moldam os nossos dias com a delicadeza de um martelo. Interrompem os nossos pensamentos, mesmo antes destes florescerem, tirando-os a completa concentração do mundo real. Torna-se cada vez mais difícil a nossa presença em qualquer lugar quando o telemóvel nos transporta com facilidade para outro.

Mas será que faz sentido desligarmos toda e qualquer notificação? Será que conseguimos viver sem qualquer comunicação com o mundo digital? Desocupar a mente, com tudo aquilo que nos põe em alerta. Conseguir olhar a beleza da monotonia do real. Sentir o tempo passar sem pressa, como quem observa uma folha a cair, sem a necessidade de registar, partilhar ou reagir. Apenas existir...

Estamos a tornar-nos incapazes de estar, de verdade, onde estamos. Sempre atentos ao que pode vir, esquecemo-nos de viver o que já veio. Trocam-se encontros por áudios, olhares por emojis, presença por conexão. E, ironicamente, a conexão nem sempre se conecta.

Entre uma notificação e outra, escapa-se o momento mais importante do dia. Aquela risada espontânea no meio de uma conversa. O silêncio confortável com quem se ama. O suspiro de alívio depois de um dia difícil. Estas características não tocam, não vibram, não mandam alerta. Mas são de verdade, e são realmente muito importantes...

Talvez um dia possamos reaprender a apreciar o silêncio (do telemóvel).

Aprender a ouvir mais os sons do lado de cá da tela: o vento, o riso, o próprio coração. Porque viver entre notificações é fácil. Difícil é viver para além delas.