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Uma democracia mais estreita

Samuel Silva
Opinião \ quinta-feira, janeiro 04, 2018
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Não sei se por consequência do défice de imprensa ou por efeito de um mesmo sintoma há nos dias que correm menos discussão cívica na cidade do que aquela que era habitual.

Escrevo este artigo mais de três meses depois das eleições, exactamente porque não queria que fosse lido à luz da dos seus resultados. As autárquicas são apenas uma das dimensões de algo que me parece mais profundo e que tento aqui elencar, mais do que analisar. Uma análise implicaria um texto mais longo do que aquilo que este pode ser. Estas são, por isso, notas para reflexão.

Outro ponto prévio: tenho a perfeita consciência de que algumas das coisas sobre as quais escrevo em seguida não são exclusivos vimaranenses. Os problemas da democracia e da participação cívica são hoje transversais à sociedade em que vivemos. Só que é na minha cidade que eu exerço, em primeira instância, a cidadania. É sobre ela que me debruço.

O resultado mais evidente das últimas autárquicas é um estreitamento da representação democrática no órgão executivo do concelho. Os eleitores decidiram nas urnas – de modo inquestionável – que queriam que apenas PS e a coligação PSD-CDS tivessem lugar na Câmara. Pela primeira vez na história da democracia, o PCP não terá representação.

Este resultado implica desde logo que a Câmara terá menos uma voz activa na discussão e construção do projecto para o concelho. Isto implica também menos tempo de debate e, seguramente, menos temas em discussão em cada uma das reuniões. Com isto perdemos todos, independentemente do partido em que tenhamos votado nas últimas eleições. Em política, menos é sempre menos.

Este estreitamento no espectro de representação na Câmara segue-se à contração na imprensa local, evidente nos últimos cinco anos. Fiz-me jornalista numa cidade em que chegaram a existir cinco semanários. Hoje subsistem dois. Fiz-me jornalista numa cidade em que, entre estes cinco jornais, existia uma concorrência feroz pela melhor manchete, por marcar a agenda, por descobrir as melhores histórias – enfim, por fazer jornalismo. Hoje, são raras a vezes em que encontramos nas publicações que resistem mais do que a agenda da semana.

Não sei se por consequência do défice de imprensa ou por efeito de um mesmo sintoma – desses que implicariam uma reflexão mais longa do que aquela que posso aqui fazer – há nos dias que correm menos discussão cívica na cidade do que aquela que era habitual.

Fiz-me cidadão a discutir Guimarães. Por exemplo, construí a minha visão sobre programação cultural a discutir activamente os primeiros anos de programação do Centro Cultural Vila Flor. E ganhei interesse pela política urbana no debate apaixonante sobre o parque de estacionamento que tinha sido proposto para o Toural. Olho hoje com preocupação para a forma como não se discutem com o mesmo afinco e o mesmo entusiasmo as opções estruturantes para o concelho.

Menos representação nos órgãos democráticos, menos imprensa e menos participação cívica é um combinado perigoso. Se as políticas públicas são menos discutidas, menos escrutinadas e menos participadas serão, por regra, piores. Políticas públicas mais frágeis resultam numa cidade e num concelho piores. E isso toca a vida de todos – não nos podemos esquecer.