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Uma cidade sem notícia

Samuel Silva
Opinião \ quinta-feira, maio 07, 2020
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A pandemia tem dado ao jornalismo de qualidade novo fôlego para reclamar o seu lugar imprescindível na sociedade. A informação fiável e de qualidade é vital (literalmente, por vezes) num momento de pandemia.

A meio do mês passado, um título do Jornal de Negócios captou a minha atenção: “Um em cada seis novos casos foram em Guimarães”. Num momento em que o novo coronavírus era o assunto de todas as notícias, a informação não podia ser mais chamativa. Não deixava também de estranhar que uma notícia desta natureza me chegasse através de um jornal nacional, ainda para mais especializado, e não pela imprensa local, que está mais próxima da realidade em que vivo – e devia saber explicá-la.

O diário acrescentava então que o concelho registara uma subida no número de casos de covid-19 de 40% nas 24 horas anteriores. Não havia qualquer contextualização ou explicação subsequente. Seis dias antes, o mesmo Negócios colocava Guimarães entre os 15 municípios com mais de 200 casos da doença. Em “apenas dez dias”, tinha duplicado o número de casos, lia-se.

Desde então, os números de infecções confirmadas têm crescido, tanto no país como no concelho, e Guimarães tem-se mantido sempre com um dos territórios com mais pessoas doentes. Não é estranho, se atendermos a que este é também um dos concelhos mais populosos do país, ainda que não haja uma proporcionalidade directa entre número de habitantes e número de infectados.

O que é já estranho é que em nenhum momento tenha encontrado estas notícias nos jornais locais. Condenada a uma replicação acrítica da contabilidade de novos contágios em cada dia, a imprensa vimaranense prescindiu de fazer o seu trabalho. Não foi capaz de nos dar o contexto, nem o retrato próximo que é seu dever.

Se “um em cada seis novos casos” num determinado momento da evolução da doença surgem aqui, importa saber o que o motivou. Não é só uma obrigação de bem-fazer jornalismo, é necessidade de saúde pública num contexto como este. Quando “em apenas dez dias” duplica o número de casos, exige-se que quem tem essa obrigação profissional seja capaz de nos dar uma explicação. Não tivemos nada disso.

O que tivemos foi – uma vez mais – uma quase completa demissão da imprensa local de fazer o seu trabalho. O exemplo anterior é apenas isso: um exemplo. À parte de um par de bons trabalhos sobre os impactos da pandemia que li nas últimas semanas, o que se notou, acima de tudo, foi uma ausência. Há outras histórias que ficaram por contar nas últimas semanas. Como a gestão danosa de algumas IPSS onde têm aparecido focos da doença, que é responsável pelos riscos para a saúde de utentes e funcionários; ou a forma miserável como os empresários da região se quiseram aproveitar do contexto para proteger os seus lucros à custa dos trabalhadores.

A pandemia tem dado ao jornalismo de qualidade novo fôlego para reclamar o seu lugar imprescindível na sociedade. A informação fiável e de qualidade é vital (literalmente, por vezes) num momento de pandemia. Num tempo de trauma colectivo, sobram histórias duras – e também bonitas – que a imprensa tem que ter capacidade de contar.

É isso que encontrámos, nos últimos dois meses, um pouco por todo o país, não apenas nos media nacionais, mas em muitos jornais locais de grande qualidade que são editados noutras regiões nacionais. Mas não aqui.  A generalidade do jornalismo vimaranense acostumou-se a ser feito sentado. É, no mais das vezes, um noticiário oficial, baseado em comunicados e em fontes interessadas. Mesmo que o mundo à sua volta esteja a experimentar um tempo que nos vais marcar por décadas.