Uma carta a García… que nunca lá chegará (parte 2)
Todos falam atualmente da escassez, da mingua de profissionais dos mais diferentes serviços públicos. Talvez fosse mais correto falarmos da situação de escassez de tudo quanto e necessário para que os serviços públicos, façam o que lhes compete: servir o público, servir os cidadãos.
Comecemos pelos professores. Desde 2010 que várias instituições alertavam para o envelhecimento da classe docente e para uma possível rutura nos quadros do ME. A todos estes alertas, os sucessivos governos fizeram orelhas moucas ou apostaram na sobrecarga dos recursos humanos existentes. Esta opção, quase que assumida como um “castigo” para os professores, classe que não trabalhava, que tinha muitas férias, serviria para justificar os opíparos salários que auferiam (e que foram desde o último governo de Sócrates, cortados). Esquecendo as especificidades de um serviço público que atua diariamente com todas as situações que a sociedade e as famílias deixaram de suportar, considerava-se que assim, o sistema iria permitir ter mais, por menos… por muito menos.
Apostou-se ainda na desconsideração, no desrespeito simples e factual, de uma classe profissional com qualificações muito acima da média (tudo em nome de uma opinião publica salvífica). Assim o desastre começou a preparar-se: menos docentes, menos educadores, mais tempos de trabalho efetivo, esgotamento dos profissionais, desmotivação, envelhecimento. A falta de professores só se poderia combater com mais formação de novos professores…, mas se a estes possíveis novos profissionais, fosse dada uma perspetiva de futuro razoável que nem aos já existentes era dada; se estes novos professores sentissem que eram valorizados e não “castigados”; se essa valorização fosse de âmbito social, mas também salarial. Acontece que a ninguém interessa vir para as escolas e para o ensino… pois nada é garantido ou pelo menos perspetivado em termos de futuro. Aliás, se formos a acreditar nos vários especialistas em educação que pululam nas televisões e nas redes sociais, nos especialistas em “bitaites educacionais” do ME, não entendo do que estão à espera os jovens deste país? Salários excelentes e acima da média? Possibilidade de progressão e de atratividade na carreira? Nada disto é verdadeiro ou sequer possível nos quadros em que sucessivos governos tem laborado. Falar-se agora e voltemos à entrevista do senhor ministro, onde preocupado diz que vai proceder a um “estudo da situação” (recenseamento), é no mínimo risível quando foi o senhor ministro (na altura SE) que afirmou a sua preocupação com a falta de docentes (então sabia ou não?). Dizer agora que tudo se vai resolver com a formação de novos professores alojada a instituições do ensino superior que foram as primeiras a terminarem com modelos dos estágios integrados, é no mínimo revelar esquecimento de mau pagador quando se glorificou Bolonha e as mudanças do ensino superior.
Há então solução para tal problema? Claro! Há sempre solução para tudo… se quisermos (temo que não se quer). Vão a uma escola hoje em dia (e quando digo hoje é mesmo HOJE) e olhem: bares fechados pois as plataformas de compras do estado estão fechadas, pois não há alunos; falta de assistentes operacionais, problema agravado com a passagem destas competências para as autarquias sem o competente envelope financeiro; falem com todos sobre a “revolução paradigmática de caráter flexível, articulado, incluso, baseado na família Apideae, virado para as questões cooperantes e de cariz ubuntu. Resultados: A escola está a servir para resolver os problemas com que se vê confrontada todos os dias, com remendos intitulados com aprendizagens ditas essenciais, com metodologias vindas de quem, com honrosas exceções, nunca as experimentou e com programas muito tão ao gosto das cerimónias de corta fitas.
À educação seguem agora outros serviços públicos. Sei que os problemas do SNS são os que mais preocupam. Talvez fosse razoável pensar em quem definiu que a exclusividade de prestação de serviços era para ser posta de lado, ou quem “mandou” emigrar pois o “El Dorado” estava lá fora, ou que durante 7 anos (em coligação ou não), pouco se fez para resolver o problema estrutural da falta de médicos especialistas, mas também de enfermeiros e de técnicos administrativos. Alguém viu qual a situação que existe na justiça sobre a falta de escrivães, de funcionários judiciais? Não nem interessa. Vamos resolvendo as questões com comissões que irão fazer a coordenação, que deveria ser feita pelas organizações estatais já existentes e vamos pagar mais às empresas de tarefeiros (privados - já agora para mim um SNS ideal tem de apostar maioritariamente nos serviços públicos, mas ancorado na iniciativa privada e no sector social). Mas o que mais me choca é ouvir os pseudo liberais ou nos pseudo neoliberais, pedirem para cortar as despesas do Estado e dizerem venha esse dinheirinho para que funcione a economia livremente… “bitaites” à boa velha maneira do eterno Hernâni Gonçalves.