Sobre o vazio (III)
Terminei o meu último artigo apontando o quarteirão que corresponde à antiga fábrica do Arquinho como um óptimo exemplo do tipo de espaço relativamente ao qual a cidade deve reflectir, pronunciando-se sobre o seu uso.
Este é um terreno impressionante, cuja área não me atrevo a estimar por ser excessivamente vasta, mas que inclui, além dessa antiga fábrica, também uma outra unidade fabril devoluta, a fábrica do Cavalinho – entre outros espaços.
Falo de uma zona que liga uma fachada de centenas de metros da Avenida D. Afonso Henriques com a parte mais baixa da rua da Caldeiroa e que se estende até à rua Colégio Militar e praticamente até à linha férrea, na zona dos hotéis Fundador e Guimarães.
E que é, a todos os títulos, uma área central, valiosa e sensível da cidade. Tanto mais que podia também permitir criar um corredor de circulação entre os principais espaços culturais da cidade: O Centro Cultural Vila Flor – ao qual juntar-se-á, espera-se que em breve, o renovado Teatro Jordão – e o Centro de Artes José de Guimarães, com o Centro para os Assuntos da Arte e Arquitectura pelo meio, que, por aquele lugar, ficam ligados praticamente por uma linha recta.
E, no entanto, entre o último artigo que publiquei aqui e a semana em que me toca novamente escrever, por ali surgiu um cartaz anunciando a criação de um ginásio. É um primeiro sinal dos investimentos privados que para ali se preparam, percebe-se. Não é sequer propriamente uma surpresa que assim suceda. Desde o final do ano passado que são visíveis as movimentações naqueles terrenos, que devastaram mato e algumas árvores, e tornaram ainda mais visível o potencial do que ali está. Também não passaram despercebidas as notícias cirúrgicas anunciando investimentos para aquele espaço.
Mesmo assim, a cidade não se moveu. Sobre o assunto ninguém disse nada publicamente, ninguém questionou a valia das intenções apresentadas, nem a pertinência da conjugação entre o interesse privado e o interesse público. Não é a primeira vez que os responsáveis públicos pecam por omissão.
Corremos assim o risco de ver um quarteirão que podia ser aquilo que a cidade quisesse – e precisasse – transformar-se em apenas mais um conjunto de prédios de habitação e costumeiros acompanhamentos. Ser apenas mais um sítio, quando podia ser um espaço particular. Corremos o risco de passarmos a olhar para aquele espaço pelo que ele podia ter sido, em lugar do que é.
Não é caso único e é por exemplos como este que me parece urgente lançar esta discussão, como tenho vindo a tentar fazer nestes últimos artigos. Há outros quarteirões como este ou espaços com sub-utilização, como os centros comerciais de primeira geração de que há vários exemplos no centro da cidade, que podem responder a necessidades bem identificadas que a cidade e os cidadãos têm – e soluções a custos mais ajustados do que construção nova. Sem esquecer o antigo edifício dos Correios na rua de santo António para o qual sobram em boatos o que falta em soluções.
Não sou um especialista em planeamento ou urbanismo, mas gostava de prosseguir esta discussão, certamente noutro formato. Desconfio, porém, que tenha estado a escrever para o vazio.