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Sobre a persistência do século XX

Samuel Silva
Opinião \ quinta-feira, fevereiro 09, 2017
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Com a segunda década do século XXI a chegar ao fim, continuamos a ter o mesmo tipo de ideias a vingar entre as principais forças políticas de Guimarães. Continua-se a dar prioridade ao transporte individual, com os efeitos ambientais que se conhecem.

Lembro-me da primeira vez em que me deparei com esta sensação. Foi num debate que aconteceu, durante a última campanha autárquica, na sede da Associação Comercial de Industrial de Guimarães. Os candidatos dos diferentes partidos, o organizador da sessão e a generalidade do público que participou levantaram as mesmas questões: o concelho precisa de mais estradas, a cidade de mais estacionamento. Nem precisei de colocar isto no contexto de um território que quer ser mais verde. Bastava apenas pensar no ano que corria: 2013.

Nesse ano, já era evidente que o mundo estava a discutir soluções para retirar automóveis da cidade, para encontrar soluções para tornar fundamental e seguro o uso de bicicletas ou para estimular percursos a pé nas zonas urbanas. No fundo, imaginar como podem os territórios ser mais sustentáveis e contribuírem para colocar algum travão na marcha da destruição do planeta. Por cá, continuava-se a dar prioridade ao transporte individual, com os efeitos ambientais que se conhecem.

Quatro anos volvidos, com a segunda década do século XXI a chegar ao fim, continuamos a ter o mesmo tipo de ideias a vingar entre as principais forças políticas de Guimarães. Parece-me trágico. Leio na imprensa local que, na última reunião do executivo, a propósito de mais uma discussão acerca da “necessidade” de mais estacionamento na cidade, o presidente da câmara disse: “Eu sou dos que acham que há falta de aparcamento automóvel para a Cidade que idealizo”.

Como já escrevi em crónicas anteriores, esta é uma convicção que me parece absurda, desde logo por motivos práticos (os parques existentes estão longe de estar cheios), mas também por motivos políticos: o futuro faz-se com menos e não com mais carros no centro urbano. O que é certo é que, na mesma reunião, o número dois da principal força da opinião não só concordou com esta ideia, como também se envolveu na discussão com o seu próprio contributo. E os representantes da coligação nos principais espaços de opinião da imprensa local alinharam pelo mesmo tipo de ideias.

Segundo exemplo: a via de acesso ao Avepark. Serão gastos 18 milhões de euros (dois anos inteirinhos de funcionamento dos Transportes Urbanos da vizinha Braga, geridos pelo município, só para dar um termo de comparação) numa via que vai servir pouca gente e que, mais uma vez, dá o sinal errado: queremos mais carros. A EN101 tem problemas, não o nego, mas sabem como é que se retira os automóveis que estão a mais na ligação cidade-Taipas? Com mais e melhores transportes públicos. Não é com mais e melhores estradas.

Pode a principal força da oposição dizer que faria diferente? Está bom de ver que não. A sua única proposta foi um percurso diferente mas a mesma ideia: mais estrada. E logo mais carros, mais poluição. Não deixa de ser curioso que dois partidos que tanto se esforcem por encontrar diferenças que justifiquem o seu projecto de governação alternativo estejam orientados com a maioria em dois dos três principais erros do actual mandato autárquico – sobre o terceiro escrevi na crónica anterior.

O problema de Guimarães hoje é ter políticos que pensam como no século XX quando estamos quase na terceira década do século XXI.