O verão que durava uma eternidade
O motor do Ford Fiesta vermelho acordava cedo nos dias de verão. Não havia GPS nem música escolhida por algoritmo, apenas a rádio com o som um pouco rouco e a paisagem a passar pela janela, lenta, quase preguiçosa.
Bastava ouvir aquele roncar familiar para saber que a estrada até à “Lameira” nos esperava. Mais do que um carro, era o passaporte para um dia que, na nossa cabeça de crianças, parecia não ter fim.
Chegar à casa dos meus avós era como entrar num porto seguro. As paredes guardavam o cheiro a cevada acabada de fazer, a lenha queimada no inverno e a pão fresco no verão. Antes de qualquer mergulho, havia sempre tempo para conversar. Encontrava-mos quase sempre a minha avó a ler no terraço, mil histórias sem fim.
A pressa, essa, era muita para darmos os melhores mergulhos. Adorava a minha avó, mas era criança e a sensação de passar um belo dia no rio falava mais alto do que qualquer conversa à sombra do terraço. Era como se a água me chamasse de longe, com aquela frescura que só o verão sabe oferecer.
A caminhada até à “praia seca” era uma verdadeira aventura. O caminho nunca foi dos mais simples: tínhamos de atravessar fileiras de espigas de milho, que se erguem como paredes vivas, altas e verdes. As folhas roçavam-nos nos braços, e o cheiro da terra quente ficava colado à pele. Ao fundo, a promessa de água e sol.
Chegar àquele lugar era sempre como reencontrar um amigo de infância. A beleza natural mantinha-se intocada, com a água calma a espelhar o céu e a brisa a trazer memórias antigas. Foi ali que todos aprendemos a nadar: o meu irmão, os meus primos, as minhas amigas, e as gerações anteriores que no fim do trabalho aproveitavam sempre para dar um mergulho.
As horas passavam sem que déssemos por isso. Mergulhos, brincadeiras, conversas intermináveis na margem. Não havia telemóveis, e o relógio parecia ter desistido de nos controlar. O regresso só acontecia quando o sol se deitava, e as pernas pesadas do caminho eram compensadas pela leveza no peito.
Hoje, o tempo parece outro. Mais escasso, mais apressado. Mas, de vez em quando, ainda voltamos. E quando mergulho naquelas águas, percebo que o verão de antigamente não se perdeu. Está todo ali, guardado no reflexo do rio, nas espigas de milho, no barulho do Fiesta a arrancar. E se aquelas águas falassem… as histórias seriam tantas que talvez o verão voltasse mesmo a durar uma eternidade.