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O mofo não é tradicional

Samuel Silva
Opinião \ quinta-feira, junho 04, 2020
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Há empresários do comércio, no centro histórico e fora dele, com visões desempoeiradas e contemporâneas da relação da economia com o espaço público e da cidade com o turismo. Não têm nem o espaço mediático nem o conforto político que é dado à ACTG.

Comecemos por Outubro do ano passado. Primeiro aniversário da Associação do Comércio Tradicional de Guimarães (ACTG). A rua de Santo António, que é quase o único domínio em que assenta essa nova organização, foi transformada numa passerelle. Se esta já era uma péssima ideia nos anos 1990, quando era moda, imaginem o que é confrontarmo-nos com a mesma mais de 20 anos depois? Os modelos que ali desfilaram, soube-se depois, foram escolhidos por uma agência chamada Fama Kom Klasse. Quanta classe num nome!

Num mesmo episódio, dois dos problemas que a voz desproporcional que os actores políticos estão a dar à ACTG representam para a cidade de 2020. A pequena associação de comerciantes só trouxe, até ao momento, ideias fora de tempo, como a de um desfile de roupa em espaço público; ainda para mais, cobertas por uma patine saloia que só envergonha quem gostaria de viver numa Guimarães um bocadinho mais cosmopolita.

A parolice que impera na ACTG é bastante evidente na campanha de relançamento do sector após o confinamento. Pelas montras do centro da cidade estão espalhados cartazes com as regras de acesso ao interior dos estabelecimentos e uma espécie de selo de confiança, destinado a assegurar aos consumidores que a loja cumpre as regras de higiene e segurança. São umas folhinhas A4, de impressão caseira e ainda mais pobre composição. Feitas com recurso ao WordArt e outras ferramentas que, como os desfiles de moda, até nos anos 1990 eram uma má ideia. O problema não é o mau gosto – é o amadorismo. Espera, com tão fraca promoção, a ACTG atrair um público exigente para os estabelecimentos dos seus associados?

Há empresários do comércio, no centro histórico e fora dele, com visões desempoeiradas e contemporâneas da relação da economia com o espaço público e da cidade com o turismo. Não têm nem o espaço mediático nem o conforto político que é dado à ACTG. O peso incompreensível ganho por uma associação que representa pouco mais do que um par de ruas na cidade acaba, pelo contrário, por abafar outras vozes e inquinar todo o debate que é necessário fazer sobre estes temas.

Tudo isto andava já no meu pensamento, quando, esta semana, um vídeo da ACTG causou polémica partidária. O vídeo, tal como os cartazes que andam pelas montras, é de um amadorismo atroz. O conteúdo é também um desastre. Está coberto de razão o vereador André Coelho Lima quando critica a confusão feita por aquela associação entre o peso institucional de um cargo com o de presidente da Câmara e o delírio partidarista que é fazer um vídeo destes escolhendo apenas políticos de uma determinada cor. Alguns nem sequer eleitos. É sinal de uma fascinação com o poder que é, no mínimo, bafienta. O problema da ACTG é este mesmo: confunde tradição com mofo.