O meu vizinho do lado
Soeiro Pereira Gomes nasceu em 14 de Abril de 1909 em Gestaçô, Baião, onde passou a sua infância. Após os estudos em Coimbra foi viver para Alhandra, onde trabalhou como empregado de escritório na Fábrica Cimento Tejo. É aqui que tem contacto directo com a brutal exploração a que estavam sujeitos os operários. Assumiu um papel importante nas greves de Maio de 1944 tendo como consequências a sua passagem para a clandestinidade ao serviço do Partido Comunista Português, a que aderira em 1937 e ao afastamento forçado da sua mulher, presa pela PIDE para o obrigar a entregar-se.
Morreu prematuramente em 1949 vítima da perseguição fascista que lhe impossibilitou o acesso aos cuidados de saúde que necessitava. No seu funeral o povo de Alhandra não o esqueceu e exigiu que o carro funerário atravessasse a vila de forma a render-lhe a devida homenagem.
Deixou-nos dois romances (“Engrenagem” e “Esteiros”) e uma compilação de crónicas e contos (“Refugio Perdido”). Obra curta, mas suficientemente coerente quanto à sua opção de classe enquanto escritor combatente e antifascista.
Esteiros, cuja primeira edição tem a capa e ilustrações de Álvaro Cunhal, seu camarada no Partido, é uma obra baseada na realidade que ele observava da janela do seu quarto e que expõe a luta dura dos operários na recolha de barro nos canais do rio Tejo, os esteiros, para fazerem tijolos e telhas. Entre os homens, haviam crianças em idade escolar vítimas da injustiça duma sociedade opressora e exploradora, organizada apenas para favorecer os mais fortes. Na dedicatória lê-se: para os filhos dos homens que nunca foram meninos. A sua obra é considerada uma das mais emblemáticas do movimento neorrealista português.
Derrotado o fascismo, e já lá vão 46 anos, não desvalorizando grandes conquistas e direitos sociais alcançados a bem do povo, não é novidade para ninguém que vem aumentando o fosso entre ricos e pobres em Portugal. Numa sociedade desigual são sempre os mais frágeis a pagar a factura em tempos de crise. Anunciam-se mais privações e dor e é ilusório pensarmos que vamos ficar todos bem e que estamos todos no mesmo barco. Não vamos ficar todos bem, se não estivermos atentos e unidos na defesa dos nossos direitos e quanto ao barco até dou de barato que vamos no mesmo mas, com funções distintas: uns remam e outros vão à boleia.
Termino com este excerto dum conto publicado no “Refugio Perdido” e que vem a propósito das diferentes realidades e comodidades em que vivemos condicionados pela pandemia Covid-19.
“Moro numa casa de dois andares de janelas amplas, em que me debruço horas e horas, a contemplar os horizontes e a resolver os problemas transcendentes do Espírito. Julgo que sou poeta.
…O meu vizinho do lado mora numa barraca sem janelas nem horizontes, mas debruça-se, horas e horas, sobre a forja da oficina, sem meios de resolver os problemas comezinhos da vida. Diz que é operário.
…Sei que o meu vizinho tem mulher e cinco filhos, duas enxergas…-um lar. Mas nunca entrei na sua casa. Passo-lhe à porta, como o sol.”
No dia 25 de Abril, pelas 15 horas, vem à janela (ou à porta) ver o sol, e canta a Grândola!