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Guimarães esquece quem mantém vivas as suas tradições

João Ribeiro
Opinião \ quinta-feira, setembro 04, 2025
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É tempo de o município deixar de olhar para as festas como um adereço periférico e passar a vê-las como parte central da sua política cultural.

O mês de agosto chegou ao fim e com ele também se encerra um dos períodos mais intensos da vida comunitária vimaranense: as festas populares. De freguesia em freguesia, multiplicam-se as romarias, procissões, concertos de bandas, ranchos folclóricos, arcos iluminados e convívios que unem famílias e vizinhos. É a altura do ano em que a cultura popular se mostra no seu esplendor e em que percebemos que, sem estas celebrações, Guimarães perderia parte essencial da sua identidade.

Mas convém lembrar uma verdade incómoda: estas festas não se fazem graças ao poder político, mas apesar dele. O motor que mantém viva esta tradição são as comissões de festas, grupos de homens e mulheres que, de forma voluntária, assumem o sacrifício de organizar tudo, desde o programa religioso à animação cultural. Vão de porta em porta, pedem ajuda ao comércio local, contam com o apoio de emigrantes, fazem rifas e peditórios. É um trabalho invisível, duro e muitas vezes ingrato, que permite às freguesias manter viva a sua alma coletiva.

E, como se não bastassem as dificuldades, as comissões de festas, ainda têm de pagar taxas e licenças camarárias para poder erguer palcos, instalar tendas ou utilizar espaços públicos. Ou seja: quem trabalha para dar vida cultural às freguesias e já se financia quase exclusivamente com donativos, acaba penalizado por um sistema que deveria, pelo contrário, aliviar encargos e apoiar quem preserva tradições.

Importa também frisar que, embora o auge destas celebrações se concentre nos meses de verão, ao longo de todo o ano as freguesias continuam a ter festas, com menor frequência, mas sempre com o mesmo espírito de devoção, convívio e cultura. É essa cadência, espalhada pelos meses, que garante que a chama das tradições nunca se apaga.

Entretanto, olhemos para os números. O Orçamento Municipal de 2025 inscreve uma verba de 200 mil euros anuais para festas de interesse concelhio e local, que normalmente acontecem na cidade ou nas vilas. À primeira vista, parece um esforço louvável. Mas basta compararmos com os milhões investidos em grandes eventos centralizados na cidade para percebermos a desproporção. Enquanto isso, nas freguesias, as comissões lutam com orçamentos reduzidos, sustentados quase exclusivamente no voluntarismo.

É também importante sublinhar que estas festas são uma das maiores plataformas de valorização dos músicos locais. São as comissões que contratam bandas filarmónicas, grupos de bombos, conjuntos tradicionais e artistas emergentes da região. Sem as festas de freguesia, muitos músicos das nossas localidades, teriam muito menos palco, muito menos público e muito menos futuro.

A incoerência é evidente. Guimarães promove-se como cidade de cultura, mas esquece-se de quem mantém acesa a chama da cultura popular. As festas de freguesia não são meros eventos religiosos: são património cultural imaterial, vivo e participado. São elas que trazem para a rua milhares de pessoas, que mobilizam emigrantes a regressar no verão, que dinamizam cafés, restaurantes e pequenas lojas. São elas que criam a comunidade, onde o sagrado e o profano se encontram no adro da igreja.

É legítimo perguntar: por que motivo se investe tanto em projetos culturais de marca e tão pouco naquilo que mobiliza diretamente as pessoas? Até quando vamos continuar a tratar as comissões de festas como meros organizadores ocasionais e não como verdadeiros agentes culturais?

No fim de agosto, mês de tantas festas e romarias, fica clara uma conclusão: se Guimarães continua a ter tradições vivas, isso deve-se ao trabalho silencioso das comissões de festas. A elas devemos respeito, gratidão e, acima de tudo, mais apoios concretos. Porque sem estas comissões, não teríamos arcos nem iluminações, não ouviríamos bandas nas ruas, não sentiríamos o pulsar popular das freguesias.

É tempo de o município deixar de olhar para as festas como um adereço periférico e passar a vê-las como parte central da sua política cultural. Porque um concelho que esquece as suas festas populares é um concelho que se esquece a si próprio.