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Desligar para recordar

Ana Sofia Freitas
Opinião \ quinta-feira, julho 10, 2025
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Mandar um postal. Revelar uma fotografia. Coisas simples que se perderam devagar, sem barulho, como quem se despede sem avisar.

Ainda se lembram do tempo em que mundo andava mais devagar? Quando o silêncio não era desconfortável? Quando se esperava com paciência pela resposta, pela visita, pela fotografia revelada?

Aos poucos tudo foi mudando. Não houve sirenes nem contagem decrescente. Apenas um dia, sem data nem hora certa, demos por nós mais apressados, mais cheios de pressa e com menos tempo.

Quando foi a última vez que enviaram um postal? Ou que ligaram só para dizer "olá", sem agenda nem motivo?

Desapareceram os postais de férias. Os telefonemas “só para dizer olá”. A arte de contar uma história inteira sem emojis. A paciência para ouvir até ao fim, sem interromper com um “eu também” ou “isso já me aconteceu”. A ideia de que estar presente é mais do que estar ligado.

E talvez o que mais se perdeu, e que menos notámos, tenha sido a simplicidade de certos gestos: bater à porta do vizinho para pedir açúcar. Levar fruta quando alguém está doente. Esperar com um livro. Conversar sem pressa. Estar sem fazer nada e sentir que isso, por si só, já era muito.

Ainda se lembram da sensação de estar verdadeiramente presente? Sem o telemóvel a vibrar, sem a ansiedade do que vem a seguir?

Perdeu-se, por exemplo, o tempo em que se esperava sem impaciência. A espera pela chamada ao telefone fixo, pelo autocarro sem saber exatamente quando vinha, pelo dia de ir buscar as fotografias reveladas. Havia demora, sim, mas também havia espaço. E nesse espaço cabia tudo: a expectativa, o aborrecimento bom, até um certo encanto por não sabermos tudo de imediato.

Perderam-se os silêncios que não eram desconforto. Antes, podia-se estar ao lado de alguém sem falar durante longos minutos. Agora, se não há som, há logo um gesto automático: sacar do telemóvel, ver se há algo a deslizar, a distrair, a preencher. E mesmo entre os que amamos, o silêncio parece suspeito, como se não fosse permitido apenas estar.

Claro que ganhámos outras coisas. Conexões mais rápidas, vidas mais práticas, acesso imediato a tudo. Mas às vezes pergunto-me: será que aquilo que se perdeu era mesmo para perder? Ou deixámo-lo cair sem reparar, por termos as mãos demasiado ocupadas?

Não sei se é possível recuperar tudo. Talvez só algumas coisas. Mas talvez ainda vá a tempo de escrever mais postais. De desligar o telefone quando estiver com alguém. De ficar num silêncio inteiro, e sentir que ele também diz alguma coisa.

Às vezes, o que se perdeu não desapareceu, só ficou à espera que alguém repare nele de novo.