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A Importância das “Reisadas” no Ensino Musical

João Ribeiro
Opinião \ quinta-feira, fevereiro 06, 2025
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Pais e avós revivem memórias da infância, enquanto os mais novos começam a sonhar com o momento em que também estarão no palco.

Enquanto professor de música, sinto-me profundamente privilegiado ao observar os meus alunos a participar nas “Reisadas”. Este não é apenas um momento para comemorar ou atuar; mais importante ainda, é um espaço de aprendizagem, crescimento pessoal e conexões significativas. Na minha perspetiva, o ensino de música, vai muito mais além de transmitir notas e ritmos, tratando-se também de formar pessoas, e as “Reisadas” proporcionam-nos exatamente essa oportunidade.

Quando uma criança canta um “Cântico de Reis”, a atividade simplesmente está completa de significado. A música torna-se um veículo forte de contador de histórias, memória e, principalmente de identidade cultural. As crianças aprendem que as tradições não são anacronismos sem vida, são dinâmicas e vivas e conectam as pessoas de uma comunidade através das várias gerações e do tempo.

Os ensaios são frequentemente caracterizados pela hesitação e as vozes estão fracas, mas à medida que mais tempo é dedicado ao processo, a confiança começa a surgir. É inspirador ver algumas das crianças mais novas trabalharem juntas, ajudando-se mutuamente, e aprendendo desta forma o poder do trabalho em conjunto. Quando as suas vozes se combinam, é mágico, não por ser uma união técnica perfeita, mas pelo esforço coletivo.

O impacto das “Reisadas” vai para além da sala de aula de música. Esta tradição permite uma articulação horizontal entre disciplinas, tornando a aprendizagem mais rica, significativa e efetiva. Nas aulas de História, as crianças exploram as origens desta festividade; nas aulas de Português, analisam as letras das canções e a sua leitura, desenvolvendo competências literárias; nas aulas de Matemática, aplicam alguns conceitos para contar compassos ou calcular ritmos; e nas aulas de Artes Visuais, mostram a sua criatividade, ao criar adereços e pintar cenários. Esta integração curricular não só solidifica o conhecimento, como também demonstra às crianças como a interdisciplinaridade se interliga e completa na sua experiência quotidiana.

Além disso, existe também uma articulação vertical que reforça a transmissão de valores e saberes, pois, os adultos e os alunos mais velhos tornam-se mentores dos mais novos, partilhando experiências e encorajando-os a participar nestes eventos, perpetuando assim esta tradição de forma intergeracional. Esta interação é essencial e fundamental para promover colaboração, respeito e o sentido de pertença, mostrando que a música é um processo em constante desenvolvimento.

No dia das apresentações, o entusiasmo é evidente. Alguns alunos encaram o palco com algum nervosismo, outros com excitação, mas todos partilham a vontade e o mesmo orgulho. O público, composto por famílias e amigos, observa com emoção. Pais e avós revivem memórias da infância, enquanto os mais novos começam a sonhar com o momento em que também estarão no palco.

Para mim, as “Reisadas” representam muito mais do que um evento musical, pois são um espaço onde a educação emocional, cultural e social se entrelaça com a interdisciplinaridade. Neste espaço eu não apenas ensino, mas também aprendo, pelo poder transformador da música e sobre o impacto duradouro que podemos deixar nas crianças.

Esta tradição não serve apenas como uma ligação ao passado, pois também é uma ponte para o futuro. Ao celebrarmos os “Reis”, estamos a dar às crianças um presente valioso, que é a consciência das suas raízes, a confiança no presente e a inspiração para construir um futuro em harmonia com a sua cultura. E é por isso que, todos os anos, o orgulho e a emoção se renovam. Porque sei que, através da música, estamos a criar memórias e a construir duradouro.

Quero também deixar uma palavra a todas as associações que mantêm viva a tradição das “Reisadas”. O trabalho, muitas vezes silencioso e feito de forma voluntária, é muito mais do que organizar eventos ou ensaiar grupos, tornando-se desta forma os guardiões de um legado que atravessa gerações, que se reflete na alegria, na união e no sentimento de comunidade que esta tradição nos proporciona.

Todas as associações são o coração pulsante de cada uma das freguesias, pois organizam encontros que reúnem famílias, amigos e vizinhos, e percorrem as ruas e as casas, levando a boa nova, que aquece o coração de quem vos recebe. Cada porta que se abre, cada melodia que ecoa é um testemunho de que a tradição não só se mantém, como continua a fortalecer os laços entre todos nós.

Mas o que torna as “Reisadas” tão especial vai muito para além da música, que se canta e toca, pois cria momentos únicos de partilha e convívio, momentos que ficam na memória de quem participa, seja como cantor ou como ouvinte. É também de louvar o compromisso em transformar estas práticas em gestos solidários, angariando fundos para causas e/ou associações locais, que necessitam destas verbas para sobreviver.

Por tudo isto, quero que saibam que o vosso trabalho é inestimável e as Reisadas não seriam o que são sem a vossa dedicação, o vosso amor pela cultura e o vosso compromisso em manter esta chama acesa. Continuem, com o mesmo entusiasmo, a preservar este património, porque, no fundo, cada nota cantada e cada sorriso recebido garantem que as tradições não apenas vivem, mas florescem nas mãos de quem acredita nelas.