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A especialista de coisa nenhuma

Samuel Silva
Opinião \ quinta-feira, setembro 26, 2019
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A multinacional contratada pela vereadora do Turismo quis encontrar a “ideia central” de Guimarães. Mas não deve ter passado aqui tempo suficiente, porque a tal “ideia” é apenas um arrazoado de lugares comuns sobre Guimarães: história, berço da nação, conquistador, paixão.

Não foi preciso chegarmos sequer a meio do mandato autárquico para percebermos o extraordinário erro de casting que foi a escolha da vereadora do Turismo. Sobre as minhas objecções ao facto de a Câmara de Guimarães ter preferido ter uma pasta autónoma do Turismo em vez de manter uma vereação exclusivamente dedicada à Cultura, já aqui escrevi há dois anos. O tempo tem-me dado razão.

Tenho, contudo, um princípio de benefício da dúvida aos titulares de cargos públicos. E ter uma vereadora que fez toda uma carreira em Turismo, podia revelar-se positivo. É certo que o sector precisa, em Guimarães, de dinamização. Mas não precisa, convenhamos, de nenhuma revolução. As forças e fraquezas estão há muito identificadas. Bastava saber o que fazer com o diagnóstico.

Com a experiência prévia da titular da pasta e o diagnóstico mais do que feito, esperaria, pois, acção imediata. Puro engano. A nova vereadora é, afinal, especialista de coisa nenhuma. Eleita para um mandato de quatro anos, gastou quase metade desse tempo à espera que alguém lhe desse um caminho que pudesse seguir. Como chegou ao cargo sem ideias próprias, numa área em que há tantos anos trabalha, teve que as encontrar fora. E isso custa caro.

A estratégia de Turismo em Guimarães para a próxima década, feita pela multinacional Bloom Consulting, custou 100 mil euros. Não é uma verba pequena. Mas é capaz de parecer pouco à mesma responsável política que, ao fim de escassas semanas no cargo, achou por bem gastar 40 mil euros numa casota do AKI disfarçada de presépio, e pomposamente guardada por um segurança fluorescente, que envergonhou o Toural durante a quadra do final do ano.

O investimento no plano encomendado à multinacional podia ter valido a pena, se o resultado final não fosse confrangedor. É essa a palavra que melhor descreve o documento apresentado na semana passada. Uma brochura de 25 páginas que é escassa para um plano que se anuncia com a ambição de orientar o turismo em Guimarães a uma década.

O cenário piora: dei-me ao trabalho de perceber o que naquela publicação era, de facto, texto, e não imagem e grafismo – um truque que já todos usamos nos trabalhos da escola. E, no final de contas, o grande plano do Turismo são 15 mil caracteres, que cabem em pouco mais de quatro páginas A4.

Deixo outra comparação: 15 mil caracteres são três páginas do jornal em que trabalho. Nunca – e digo-o com pena, evidentemente — me pagaram 100 mil euros por um trabalho de três páginas. Mas também é verdade que dificilmente aceitariam publicar algo tão superficial.

A multinacional contratada pela vereadora do Turismo quis encontrar a “ideia central” de Guimarães. Mas não deve ter passado aqui tempo suficiente, porque a tal “ideia” é apenas um arrazoado de lugares comuns sobre Guimarães: história, berço da nação, conquistador, paixão. Enfim, “A Garra Vimaranense”, dizem. Expressões que de tão gastas já não significam coisa nenhuma. E que não se percebe como podem servir de atractivo turístico.

E para quem se propõe envolver os vimaranenses na estratégia de turismo, é divertidíssimo fechar o ficheiro de apresentação com uma montagem com dezenas de fotografias retiradas de um qualquer banco de imagens. Pelos vistos, o “envolvimento” nem para enfeitar serve.

Os problemas do trabalho da multinacional começam pela sua própria metodologia. O processo de auscultação dos actores do território excluiu quem mais recentemente tem trabalhado sobre Turismo em Guimarães. Além disso, não foi ouvida uma única pessoa – à parte alguns titulares de cargos públicos – com menos de 40 anos.

O resultado é uma espetacular desactualização. O que ali vemos é Guimarães em 1995. Como se não tivesse havido investimento em Cultura, desde logo. Sem referência com Guimarães Jazz, ao Guidance, a qualquer iniciativa contemporânea no domínio das artes. Nunca se lêem as palavras “arte”, “cultura” ou “museu”. Nem há uma referência a 2012. Nada disto aconteceu. Mas talvez seja compreensível, vindo a encomenda de uma vereadora que é só um sub-produto da política local dos anos 90.