Mário Rodrigues: "Sou um taipense de coração"
Terminou um percurso no ensino com a inauguração da nova escola. Melhor era impossível neste caminho ligado à educação.
Foi uma situação quase ideal. Curiosamente, quando vim para a EB 2,3 esta também ainda era muito recente. Rompi a escola, ou seja, a escola desgastou-se mais rapidamente do que eu! Acabei por sair com uma escola nova, um edifício onde os alunos podem ter instalações condignas, onde é agradável estar, sem estarem preocupados com o amianto, o frio e a chuva.
É uma escola que o deixa satisfeito?
É evidente que sim. Claro que é como nós quando fazemos uma casa. Chega-se ao fim da obra e existem coisas que seriam feitas de outra forma. Não há edifícios perfeitos.
A direção, durante a elaboração do projeto, teve alguma interferência?
Não, apesar de termos procurado ter. Vimos algumas situações que agora estão a dar problemas. A única coisa que foi alterada no projeto foi a entrada sul, que não estava no projeto inicial. Na primeira reunião demos conta disso, por causa do trânsito caótico na entrada norte. Outra coisa que cheguei a comentar com o engenheiro da empresa foi a questão da cobertura do pavilhão, com terra por cima. Afirmou, na altura, que chegaram a três projetos, mas que, aquando da sua construção, o promotor tinha desistido. No caso, estão-se a confirmar os receios e, pelas informações, chove lá dentro. Era algo que se podia ter resolvido e não aconteceu.
Que outros aspetos menos positivos podem ser referidos?
Alguns espaços não estão bem enquadrados. Cheguei a dizer ao presidente da Câmara que se deveria ter o cuidado de, na altura certa, alguém da escola ser contactado durante a elaboração do projeto. Não aconteceu e temos, por exemplo, a má localização da sala do aluno e do refeitório. Comparo com a secundária onde esses espaços estão excelentemente colocados. O normal dos alunos é saírem da sala de aula e irem para o recreio e se o refeitório estivesse ao lado evitavam-se as subidas e descidas desnecessárias e a intrusão em espaços que deveriam estar mais protegidos. A direção deveria ter uma visão sobre os diferentes espaços da escola, não pode estar isolada. São também pequenos e estão mal localizados.
E quanto aos aspetos positivos, o que destaca?
As salas de aulas são muito boas, tirando as salas de música que são um pouco pequenas. A biblioteca, o auditório, o recreio, os campos exteriores e o ginásio, são espaços magníficos. Claro que mesmo estes apresentam pormenores que poderiam ter sido revistos na altura certa.
A nível pedagógico e de resultados escolares, como é que deixou a escola?
Sempre tivemos como preocupação fundamental o sucesso escolar dos alunos. A nossa escola está nos primeiros lugares em termos de sucesso. A taxa de sucesso ronda os 98%. A questão recente de que os alunos vão passar todos... isso já se passa na nossa escola, tivemos muitos anos em que ninguém ficava para trás. Houve um ano, recentemente, em que os resultados nos exames do 9º ano não foram os esperados, pois, apesar de estarmos a meio a nível nacional, ficamos nos últimos lugares no concelho. Tivemos mesmo alguns comentadores a dizer que esses resultados se tinham verificado pelo facto de a escola estar a funcionar em diferentes espaços. Não se podem tirar essas conclusões, pois quando saírem os resultados do último ano vamos ter a escola, nas provas do 9º ano, a superar as médias nacionais cerca de 7/8% em relação à média nacional. Em termos de resultados temos um percurso excelente. Outra área que posso destacar é o combate à fuga à escolaridade. Na década de 90, tínhamos o abandono escolar na casa dos dois dígitos. Com o empenho de todos, desde os professores aos funcionários, fizemos um percurso muito bom e passou a ser uma “não preocupação”.
A escola fica bem entregue a João Montes?
Penso que sim, até porque já tem alguma experiência.
Lembra-se do primeiro dia em que entrou na EB 2,3?
Moro aqui perto e fiquei satisfeito por ter sido colocado nas Taipas, mas a minha ideia era de, quando possível, ir para Braga. Das Taipas conhecia muito pouco. Conhecia o CC Taipas, pois jogava futebol na altura e ainda passei pelos caçadores, o rio, os bombeiros e a banda de música. O meu pai era um amante das bandas, levava-me pelas romarias e não perdia os concertos.
O que o prendeu à escola?
Foi o ambiente acolhedor e familiar que encontrei e os alunos, respeitadores, humildes e empenhados. Havia um ditado que os meus pais diziam, “quem está bem, deixa-se estar”, e fui ficando. Passados quatro ou cinco anos, o presidente da altura, o João Nogueira, convidou-me para fazer parte da equipa, quando a direção passou de 3 para 5 membros. Tive de abdicar de umas horas extraordinárias que dava em Sezim, mas, por uma questão de amizade com o João Nogueira, aceitei fazer parte da direção como vogal. Nas eleições para a direção passei para vice-presidente. Em 1994, o João Nogueira foi candidato à Câmara de Braga na lista do OS e foi eleito vereador assumindo a pasta da educação. Caiu-me o “menino nas mãos”.
No tempo passado é que era bom? Concorda com este discurso?
Não. O problema é os professores pensarem que podem dar as aulas da mesma forma que se dava a um aluno que desconhecia o que era um telemóvel ou um tablet ou computadores. Um aluno de hoje está habituado à rapidez da informação. Temos problemas disciplinares que não existiam antigamente, é certo. Em termos de instalações e de recursos não há comparação possível, passamos do quadro e giz para uma diversidade de ferramentas que os professores podem utilizar.
O enquadramento geográfico também é muito diferente?
Quando cheguei, da sala de aulas só via campos e vaquinhas a pastar e alguns cavalos.
Não se arrepende de, quando saiu de casa nessa altura, ter virado o carro para as Taipas e não para Braga?
Não. Só temos uma vida para viver. Temos um percurso, temos de fazer opções e depois nunca fui de estar a olhar para o retrovisor. Não estou nada arrependido. Lembro-me que, quando acabei o meu curso, tinha concorrido para umas obras em barragens na área da engenharia. Estava efetivo nas Taipas e recebi uma proposta para ir trabalhar nessas barragens. Não aceitei, porque já tinha o bichinho do ensino.
Passou ao lado de uma grande carrei na engenharia?
Lá está, não olho para o retrovisor. Sinto-me feliz, acho que tive uma boa carreira e sinto-me honrado e privilegiado por ter passado 35 anos dos 42 anos no ensino nas Taipas, ainda por cima, tendo estado na direção 30 anos e 25 como responsável pela escola. Foi uma honra e um privilégio. Os meus parceiros confiaram em mim, nas sucessivas votações, o que agradeço.
Em termos de política educativa, qual foi o ministro da educação com que mais se identificou?
Foi uma ministra, foi a Maria de Lurdes Rodrigues, apesar de ter tomado algumas medidas que revelaram não ter sensibilidade para as apresentar, nomeadamente a questão da avaliação de desempenho, que deixou feridas ainda visíveis nas escolas. Foi uma questão mal trabalhada. Foi a primeira ministra que reuniu com as direções, teve a coragem de fazer uma reunião anual connosco, algumas delas com almoço, onde passava por todas as mesas e conversava com toda a gente. Conhecia todas as questões com profundidade e trouxe algumas questões para as escolas que agora estão sedimentadas, mas que, na altura, não foram bem aceites, como é a questão dos horários dos docentes. Já estava no estatuto da carreira docente que os professores podiam ter outras funções nos seus tempos não letivos. Antigamente, os professores davam as aulas e iam embora. Agora não, passam muito mais tempo nas escolas e isso é uma mais valia.
A avaliação foi a única questão mal trabalhada?
A avaliação é necessária, todos devem ser avaliados, até para não se entrar numa rotina e para se melhorarem as práticas. No entanto, o processo não foi o ideal e depois houve a questão dos professores titulares, que ninguém percebeu muito bem o que se pretendeu com essa medida.
Como vê a questão da municipalização da educação?
Tem vantagens pelo facto de se descentralizarem algumas coisas e pode provocar um maior envolvimento da comunidade educativa no projeto educativo das escolas. A escola pode ficar mais virada para comunidade.
Um dos maiores problemas poderá ser a tentação de politização das escolas, através das direções das escolas.
Se fosse ministro, que medidas implementaria?
Implementaria uma autonomia real e mais recursos às escolas. Era importante que todos os alunos passassem na escolaridade básica. Gastam-se muitos recursos com as reprovações, por exemplo, o custo de um aluno na EB 2,3 fica por cerca de 4,5 mil euros. Multiplicar este valor pelos milhares de alunos que ficam retidos dá os tais milhões de euros de que as notícias recentes deram conta. Todo esse dinheiro deveria ser canalizado para as escolas, para projetos que combatessem o insucesso.
Dou o exemplo do projeto Fénix (integrado no Mais Sucesso), lançado em 2008, em que a nossa escola se envolveu, com excelentes resultados. O projeto foi ótimo para as escolas, pois permitiu que, em algumas disciplinas (nós escolhemos Português e Matemática), pudéssemos ter três professores na mesma turma, para se trabalhar todos os alunos, com mais ou menos dificuldades, para não se deixar ninguém para trás. Com o mesmo dinheiro, teríamos melhores resultados.
Promoveria uma intervenção na questão dos funcionários. Não são só os professores que estão a ficar envelhecidos, com os funcionários passa-se o mesmo problema. Só que, enquanto um professor de baixa médica é substituído, com o funcionário isso não acontece. Um funcionário de baixa representa uma baixa até ele retornar ao serviço. Chegamos a ter 14 funcionários de baixa num universo de 60 em todo o agrupamento. Terá de haver uma bolsa para resolvermos este tipo de problemas.
A EB 2,3 e a Escola Secundária trabalham isoladamente?
Isso já foi mais verdade do que agora. Ainda este ano, eu ainda estava em funções, tive uma reunião com o atual diretor da secundária para trabalharmos em projetos comuns. Não é bem estarmos de costas voltadas, pois a secundária acolheu, por duas vezes, alunos nossos, com total abertura. É evidente que existem projetos, de maior envergadura, em que as duas escolas se poderiam envolver e trabalhar em conjunto.
Como foi trabalhar com Telmo Machado Terroso e José Augusto Araújo, os dois responsáveis pela secundária durante o período em que esteve na direção da EB 2,3?
Não vou dizer que foi fácil, até porque existiram alguns quid pro quo um pouco desagradáveis. No tempo do Telmo, cada um tinha o seu espaço, no caso do José Augusto, houve alguns tempos de fricção, mas gradualmente as coisas foram sendo ultrapassadas. Com isto não estou a responsabilizar ninguém pelo facto de não se ter trabalhado em conjunto. Não tivemos essa visão de que seria vantajoso trabalharmos em conjunto. Temos de enquadrar esse passado com o contexto da altura, reparem que, por exemplo, não foi constituído na vila um mega agrupamento e não sei se não teria sido positivo.
E trabalhar com Remísio Castro, Constantino Veiga e Luís Soares?
Dentro da mesma ótica, os tempos são diferentes. No tempo do Remísio não existia esse trabalho conjunto. Com o Constantino, já se desenvolveram algumas atividades. Com o Luís, existia a vantagem de ter sido aluno da escola. Trabalhei pouco com ele, mas deu para ver que vamos ter uma maior articulação entre a escola e a Junta de Freguesia, como já se viu em alguns concursos e projetos.
António Magalhães e Domingos Bragança?
É o mesmo, nos tempos atuais as pessoas apercebem-se que as coisas trabalhadas em conjunto resultam melhor. No tempo do Magalhães, não havia grande ligação, mas foi melhorando com o passar dos anos. Com o Bragança, não podemos esquecer a vereadora Adelina, com uma grande sensibilidade para estas temáticas, uma mais valia para as Taipas pelo facto de ela também ter sido professora da escola. De uma forma clara, o presidente da Câmara teve uma atitude política que foi construir a nova escola e os taipenses vão ficar sempre a dever-lhe essa decisão.
Como pessoa que viveu mais de três décadas nas Taipas, considera-se um taipense?
Não sou um taipense de gema, como a minha colega Teresa Portal dizia, sou um taipense de coração e vivo as Taipas. Moro do lado poente da estrada 101, a duzentos metros dessa estrada. Agora, quando chego ao cruzamento e quero ir para Braga, de uma forma inconsciente, muitas vezes viro à direita, para as Taipas. Esta terra fica para a vida. Venho mais às Taipas do que vou a Braga. Sou um taipense de coração.
Neste momento, tem algum projeto em vista?
Neste momento, quero ter tempo para não fazer nada. Estou com três ocupações muito agradáveis. Tenho tempo para ler, tenho tempo para o bricolage e tenho tempo para as minhas netas. Levá-las à escola, ir ao cinema, fazer trabalhos com elas, dá-me muita satisfação. Não pode ser nada com a escola, nos últimos anos nunca tive umas férias sossegadas, nunca dormi tão bem como agora. As escolas são as organizações que mais planificam, são planos curriculares a médio e longo prazo, são planos de aulas, são planos de atividades, são planos de apoio, são planos de recuperação, faz-se todo o tipo de planos. Mas depois, a gestão do dia a dia, que eu chamo de “navegação à vista”, pois os “clientes” das escolas são os jovens que são imprevisíveis, leva a situações imprevistas que não estão nos planos. Existem sempre situações que não ficam bem resolvidas e depois vais para a cama e não dormes de uma forma tranquila. Agora é em paz e sossego.
Uma última palavra.
Tenho de fazer um agradecimento aos meus colegas que trabalharam mais diretamente comigo na direção ao longo destes últimos anos, caso da Teresa Portal, do Zé Maria, da Migu, do António Fontes, da Rosa Silvestre, da Maria da Luz, do Zé Castro, do João, que partilharam as dificuldades do dia a dia e sempre me incentivaram. Agradeço a toda a comunidade docente e não docente, profissionais muito empenhados. As associações de pais foram muito colaborativas, as Juntas de freguesia e a Câmara estiveram sempre presentes. As empresas locais como a Herdmar, o Reflexo, o CART, os Caçadores também colaboraram sempre connosco.
ndr: Entrevista originalmente publicada na edição de Dezembro (versão papel) do jornal Reflexo.