Professores protestam contra falta de recursos. Falta de pessoas sobretudo
Professora há 34 anos, Luísa Brandão largou o megafone com que lançou palavras de ordem pela educação, pelos professores e contra as políticas seguidas pelo ministério da Educação para explicar os motivos de mais um capítulo numa série de protestos e greves em curso desde novembro de 2022.
“É mais uma ação, porque, de facto, o Governo não nos está a ouvir. O que tem dado às escolas não é suficiente. Os problemas são muito maiores do que aquilo que querem fazer transparecer. Estamos sem recursos nas escolas, humanos principalmente”, diz aos jornalistas a docente de 55 anos, vinculada ao Centro Escolar D. Elvira Câmara Lopes, em São Martinho de Campo, na Póvoa de Lanhoso.
Por essa altura, já o ministro da Educação se encontrava no interior do Centro Internacional das Artes José de Guimarães (CIAJG), para a quarta sessão da Vitrus Talks, relativa à educação ambiental. Quando percorreu o espaço público da Plataforma das Artes e Criatividade, João Costa foi brindado com pedidos de demissão e muitos lenços brancos pelos mais de 50 professores que ali se concentravam.
Uma das reivindicações de quem ali estava, expressa pelas palavras de Luísa Brandão, é o sentimento de abandono por docentes que têm de lidar com problemas vários numa só turma, entre autismo, “dislexias muito graves” e o afluxo de alunos migrantes que não falam português.
“Na lei, um aluno autista está na sala a fazer atividades pontualmente a fazer atividades com os restantes alunos da turma. Na prática, o aluno sai pontualmente e, no resto do tempo, está entregue ao professor sozinho. É muito vulgar esses alunos terem crises de fúria, chegando ao ponto de baterem nos colegas e nos professores. Um professor é confrontado com uma turma que vai ter de abandonar para acalmar um aluno e isso é de um desgaste brutal”, menciona, a título de exemplo.
Faltam, por isso, terapeutas da fala, psicólogos e funcionários que ajudem os professores a lidarem com alunos de sensibilidades várias. O ministério da Educação dispôs de 7,7 mil milhões de euros do Orçamento do Estado para 2023, um valor inferior ao de 2022 em 7,6%, devido à descentralização de competências para as Câmaras Municipais, mas Luísa Brandão diz não sentir os efeitos de toda a verba aplicada em educação. “O dinheiro para onde vai? Se preciso de terapeutas da fala, de psicólogos, de uma tarefeira para estar com os alunos mais problemáticos e o dinheiro gasta-se, mas não chega, ele vai para algum lado”, questiona.
Convencida de que o trabalho dos professores e dos alunos durante a pandemia correu bem, porque “não houve tempo para gastar dinheiro em instituto nenhum” que dissesse aos professores o que tinham de fazer, a docente sugere que, neste momento, a escola funcionaria melhor sem ministério da Educação, “sem os papéis e as burocracias”, com os professores a fazerem simplesmente o que é suposto fazerem. “Toda a gente se esquece que um professor é um técnico altamente especializado no que está a fazer. Tem uma miríade de situações diferentes que tem de resolver, e de resolver no momento”, diz, rejeitando conselhos como “reinventar e chegar aos problemas dos alunos”, quando muitos professores estão sós nas escolas.
Luísa Brandão pede, por isso, aos pais que apoiem os professores e aos profissionais da educação para as reivindicações que saíram à rua desde novembro de 2022 terem mais hipóteses de serem bem sucedidas perante o ministério da Educação. “Os pais têm de perceber que, de cada vez que entra um aluno com dificuldades na sala, é tempo do filho deles que está a sair, porque não há mais ninguém lá dentro. Se os pais se puserem do lado dos professores e dos profissionais da educação a tentarem resolver os problemas da escola, acho que podemos ter algum futuro”, realça.
A curto prazo, é preciso “tornar a carreira mais atrativa”
Essas reivindicações, impulsionadas pelo Sindicato de Todos os Professores (STOP), incluem também a progressão das carreiras dos professores. Quando assinou contrato com o Ministério da Educação, Luísa Brandão deveria, em teoria, reformar-se neste ano. Na prática, está previsto que a docente se reforme daqui a 11 anos e seis meses. Em teoria, também estaria, por esta altura, no topo da carreira, mas, por ora, ocupa o quarto de 10 escalões. “Os atropelos à carreira foram tantos, durante tanto tempo, e tão profundo o desrespeito por nós, que isto rebentou”, diz.
A profissional alega mesmo que o seu salário é nominalmente mais baixo do que o de 2010 - passou de 1320 para 1310 euros –, pelo que reivindica carreiras mais atrativas para se colmatar a escassez de docentes que começa a emergir. “Eles subtraíram-nos quase um quarto da carreira, fiz a simulação de reforma para daqui a 11 anos e vou receber, líquidos, 1100 euros. Isto é muito grave. É preciso tornar a profissão mais atrativa”, reivindica.
Ao lado, Isabel Lourenço, professora do 3.º Ciclo na Póvoa de Lanhoso, testemunha casos de professores que trocaram a sua profissão por caixas de supermercados. “Ao que ganhavam, não lhes compensava serem professores”, diz. A docente lamenta também a solução de recurso do Ministério para combater a falta de professores, nomeadamente de inglês. “Precisa só de 60 créditos e já é professor de inglês, sem estágio pedagógico, sem os quatro anos na universidade”, diz. Luísa Brandão também considera essa uma solução precária. “Uma pessoa que entre agora sem formação numa sala de aula é carne para canhão”, diz.