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Espaço de leitura e relações, biblioteca atende mais de seis mil em 2023

Tiago Dias
Educacao \ quinta-feira, março 07, 2024
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O ano passado terminou com mais de seis mil atendimentos e mais de três mil empréstimos no polo de Caldas das Taipas da biblioteca municipal. Entre os leitores, há quem vá praticamente todos os dias.

Um livro aberto sobre a mesa, olhar fixo através das lentes: Eldomira Sousa assimila as palavras de “Querida mãe”, obra do psicólogo Eduardo Sá, em mais uma tarde no polo de Caldas das Taipas da Biblioteca Municipal Raul Brandão (BMRB). Aos 87 anos, nutre um hábito que mantém desde criança. "Desde miúda que leio muito. Tenho em casa uma estante com 300 e tal livros. Praticamente já os li todos. (…) É um bocadinho diferente ler em casa e ler aqui. Em casa, estou sozinha para ler, sozinha para bordar, para fazer crochê, para cozinhar, para dormir. Enviuvei há 10 anos", conta ao Reflexo, numa breve pausa.

O andar superior do antigo centro de saúde, hoje sede da Junta de Freguesia de Caldelas, é uma das referências no dia a dia da transmontana. Residente na vila termal há cerca de 15 anos, Eldomira também gosta de ir ao parque de lazer e sentar-se no banco, a ler as notícias no telemóvel, mas a biblioteca abre-lhe uma porta para a novidade e para a relação com as duas bibliotecárias que ali trabalham. “Quando acabo um livro, dão-me sempre uma sugestão. (…) Posso vir cá ler e estar acompanhada. Por isso, venho aqui com muito gosto e com muito prazer”, testemunha a leitora, natural de Vimioso, no distrito de Bragança.

As sugestões provêm de Zália Graça e Fátima Carvalho, as guardiãs daquele recanto inaugurado em 02 de dezembro de 2001, com mais de 12.500 documentos, entre livros, monografias, periódicos e audiovisuais – discos e DVD. “Temos aqui o livro de parte. Ela vem, porque gosta de vir. Conversa um bocadinho, lê um bocadinho. E é uma forma de sair de casa”, refere Zália, ali bibliotecária desde 2005.

Mas são muitas mais as pessoas que ali se deslocam para ler ou requisitar documentos, algo somente permitido aos sócios. E esse número tem crescido; Zália ilustra-o com os dados dos relatórios mensais. Em janeiro último, o polo de Caldas das Taipas prestou 467 atendimentos a leitores - uma subida de 39% face ao mesmo período do ano transato – e emprestou 343 documentos, mais 31% do que em janeiro de 2023. Esse foi, aliás, um ano em que se registaram 6.032 atendimentos, com picos em abril e em julho, e 3.138 empréstimos, com máximo em agosto, mês com procura de “bastantes turistas”. “Os empréstimos têm vindo a aumentar bastante”, realça, acerca de um serviço apenas ao dispor de sócios.

 

Aos 87 anos, Eldomira de Sousa desloca-se praticamente todos os dias à biblioteca

Aos 87 anos, Eldomira de Sousa desloca-se praticamente todos os dias à biblioteca

 

“Somos cada vez mais o grande apoio das escolas”

Empilhados em estantes de madeira consoante o tema - literatura, história, artes, desporto, ciências, generalidades e fundo local, para publicações referentes ao território vimaranense -, os livros e enciclopédias ecoam a paixão de quem deles cuida. Natural de Creixomil, Zália cresceu com “livros espalhados pela casa” e um pai com “bastante gosto pela leitura”, que inclusivamente fez um anexo em casa para albergar mais volumes. No início do milénio, frequentou um curso de Arquivo, Documentação e Biblioteca e esperou cerca de quatro anos por uma oportunidade. Ela surgiu através da BMRB, com vagas para Pevidém e Caldas das Taipas. Com opção de escolher, não hesitou: “A minha mãe trazia-nos para a piscina das Taipas e também para o rio. Este arvoredo e o centro de Caldas das Taipas encantavam-me desde miúda. Sempre associei isso a coisas boas”, lembra.

Fátima Carvalho entra três anos mais tarde. Residente em Pinheiro, leu quase todos os livros da coleção “Uma aventura”, de Ana Maria Magalhães e da Isabel Alçada, no Serviço de Bibliotecas e Apoio à Literatura da Fundação Calouste Gulbenkian em pleno Largo da Oliveira, antes da fundação da BMRB, em 07 de março de 1992. Trabalhou como administrativa, mas, ao ver-se desempregada, inscreveu-se no curso de Informação, Documentação e Comunicação do Instituto do Emprego e Formação Profissional, estagiou na biblioteca e concorreu quando surgiram vagas, tendo sido para ali destacada.

Levam, portanto, 15 anos juntas a testemunhar mudanças. Se, nos primeiros anos, as crianças eram para ali atraídas pelos filmes e pelos jogos, os usos informais desse público dão hoje lugar a atividades como a Hora do Conto ou o Teatro de Fantoches, elenca Fátima, se bem que as atividades abrangem todos os ciclos de escolaridade. "Por outro lado, temos sido cada vez mais procurados pelas escolas. No fundo, somos cada vez mais o grande apoio das escolas”, resume Zália.

 

"Já conhecemos as preferências dos leitores"

Também os mais velhos cabem no polo de Caldas das Taipas. O grupo que frequenta o ateliê Palavras à Solta, organizado em parceria com a Junta de Freguesia de Caldelas, tem crescido. E veem-se cada vez mais pessoas a usufruírem das instalações para leitura de jornais e revistas. Um dos leitores costuma lá estar às 09h00 em ponto para ler o Correio de Manhã e A Bola. “Uma vez chegou mais tarde, e eu disse-lhe que ia ter falta a vermelho”, brinca a funcionária. “Já conhecemos as preferências dos leitores”.

Afinal, há ali pessoas que só “começaram a despertar” para a leitura na idade mais avançada, algumas sob recomendação médica, para lidarem com situações de “ansiedade ou depressão” ou “dificuldades de memória”. “Acabam por gostar, e muito. Depois acabam por vir ao nosso encontro, porque precisam de falar, precisam de conviver, precisam de alguém que as ouça. Isso atrai as pessoas. É como estar em família”, descreve.

Eldomira concorda, na hora de prosseguir o seu livro, pequeno como sempre, porque “gosta de ler depressa”. "Gosto muito daqueles livros de ternura, às vezes até românticos. Gosto de ler o que me agrada. Se não me agradar, ponho de lado. De vez em quando, ainda faço qualquer coisa no computador. Sou uma velha moderna”, sorri.