A história das mercadorias em forma de muralha ou de tear na ConTextile
Em cerca de uma década como artista têxtil, Ibrahim Mahama já viu as suas obras exibidas em Hong Kong, no Reino Unido, no Canadá, nos Estados Unido, na Alemanha, na Itália (Veneza), em Israel (Telavive), na Grécia. Já correu mundo, o que está em harmonia com as questões levantadas pelo seu trabalho: mercadorias e bens primários, comércio, migração, globalização e intercâmbios económicos.
E quer a origem dos materiais, quer a forma como eles são trabalhados dão um contributo para a versão final da obra de arte: “Inspira-se em materiais usados para o transporte de bens por todo o mundo, principalmente cacau. Os tecidos são feitos na Índia e no Bangladesh, sendo que, no Gana, são utilizados para o transporte de muitas coisas”, realça ao Jornal de Guimarães o artista convidado da sexta edição da Contextile, bienal de arte têxtil com início marcado para sábado.
Protagonistas de “muitas histórias”, esses têxteis, mais robustos ou degradados, assumem a forma dos lugares onde Ibrahim Mahama vai expor, não raras vezes em grande escala. Em Guimarães, eles assumem a forma de um tear, no Instituto de Design de Guimarães, e a da muralha do século XIV, que separa o centro histórico de Guimarães e a Avenida Alberto Sampaio.
Desfraldadas nesta quarta-feira, essas instalações de 18x5 metros sobre a muralha são uma tentativa de congregar “diferentes camadas de história no mesmo plano”: veem-se “aspetos da muralha, aspetos do material, nomes de corporações ou de indivíduos”. “Este trabalho permite-nos ver aspetos da nossa história coletiva. Pode haver diferenças entre Portugal, Gana ou Índia, mas, ao fim do dia, partilhamos a mesma condição coletiva”, esclarece o artista de 35 anos, oriundo de Tamale, a terceira maior cidade ganesa.
Certo de que a “relação entre os objetos e o espaço é muito importante no seu trabalho”, Ibrahim frisa ainda que os tecidos sobre a muralha incorporam as memórias de quem se voluntariou para colaborar; neste caso, um grupo de mulheres vimaranenses.
“O mais importante neste trabalho é abrir um espaço onde se possam expressar ou incorporar as suas vozes. Não vou ao detalhe de querer exatamente saber o que querem incorporar, mas creio que temos uma conversa entre os objetos trabalhadores e os significados com que podem alimentar a instalação”, indica, enquanto trata de algumas das linhas que cosem a instalação agora visível para a rua e, consequentemente, para o mundo.
“A relação de tirar e de dar através da arte, sempre sublime”
Conceição Rios diz-se uma “educadora para a arte pela comunidade” e habituou-se a colaborar com a Ideias Emergentes, entidade que organiza a ConTextile desde 2012. No jardim do Museu de Alberto Sampaio, a oficina para a instalação da muralha, deambula entre o que diz ser “um grupo felizardo de voluntárias”, com “senhoras para lá de maravilhosas”.
A sequência de trabalho passa por “abrir os fardos”, “tirar o que está demasiado incapacitado”, “coser” tecidos que andaram por inúmeras praças da Europa e “remendar o resto”. “Trabalham com uma velocidade fantástica”, vinca. Cumpridas essas etapas, as senhoras coseram guardanapos de pano ao resto do trabalho, como adereço das suas “memórias”, prontas para se abrirem ao público.
A obra de Ibrahim Mahama representa assim um fluxo de significados que corre à superfície dos oceanos e uma relação na qual Portugal dá, depois de ter tirado – entre os vários tecidos, há vestígios dos sacos de café do tempo da escravatura portuguesa no Gana, diz Conceição.
“A obra tem impressa a relação com o Gana, e as questões do cacau e do café. Depois, vai-se perceber que foi remendado por Portugal. Impregnamos esta volta. Há esta relação de tirar e de dar através da arte, sempre sublime”, interpreta, antes de regressar ao trabalho, agora concluído.
A sexta edição da Contextile prolonga-se até 30 de outubro, num programa que abarca a exposição internacional no Palácio Vila Flor, com 58 obras de 34 artistas, que retrata a história da arte têxtil em Portugal, no Centro Internacional das Artes José de Guimarães (CIAJG) e que tem a Noruega como país convidado, em obras espalhadas pela cidade, além das habituais residências artísticas.