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Viver numa vila: continuamos comunidade ou apenas vizinhança?

Alexandra Pimenta
Opinião \ quinta-feira, novembro 20, 2025
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A vila não perde a alma de um dia para o outro. Ela esbate-se quando deixamos de a cuidar e renasce quando decidimos, repetidamente, olhar o outro como alguém que faz parte da nossa história.

Numa vila como a nossa, sempre dissemos que “toda a gente se conhece”. E, durante muito tempo, isso era praticamente verdade. Crescíamos a saber o nome do vizinho do lado, a quem pertencia a horta junto ao rio, a história da mercearia que já tinha passado de pais para filhos… Sabíamos quem tinha o hábito de abrir as janelas às sete da manhã e quem deixava sempre um vasinho de flores à porta. A vila era mais do que um lugar onde se vivia: era um lugar onde cada rosto tinha contexto, memória e significado. Mas será que ainda é assim?

Nos últimos anos, a vila cresceu e transformou-se. Chegaram novas famílias, abriram lojas modernas, construíram-se urbanizações onde antes havia campos abertos. Este crescimento é, sem dúvida, positivo: traz vida, movimento e oportunidades. Mas, junto com tudo isso, trouxe também uma mudança silenciosa e quase invisível. Começámos a cruzar-nos mais, é verdade, mas a falar menos. A pressa (aquela pressa que antes pertencia apenas às cidades grandes) instalou-se aqui devagarinho, como quem não quer a coisa. Hoje, saímos de casa com o telemóvel na mão, cumprimos as tarefas do dia em piloto automático e regressamos sem nos aperceber de quem caminhou ao nosso lado.

A solidão não é um fenómeno urbano por natureza, é humano. E, por isso, também chega às vilas, mesmo às mais pequenas. Aqui, onde as ruas são curtas mas os silêncios podem ser longos, encontramos idosos que passam dias sem uma boa conversa, jovens que se sentem desencontrados e famílias recém-chegadas que não conseguem criar raízes porque nunca passam do “bom dia” apressado no elevador. Há também quem queira fazer parte de algo maior, mas não saiba onde ou como começar, como se a porta estivesse encostada mas nunca completamente aberta.

Ainda assim, a nossa vila guarda algo precioso: a escala humana. É aqui que um gesto simples tem peso. Basta dizer “bom dia” sem olhar para o chão. Basta lembrar o nome de alguém, elogiar as flores de uma varanda ou comprar pão na padaria onde ainda se pergunta pela família. Basta aparecer numa festa local, ajudar numa iniciativa da escola ou oferecer boleia num dia de chuva. Pequenas coisas que, somadas, devolvem rosto, cor e presença à comunidade.

A proximidade física nunca nos faltou. O que precisamos agora é a coragem, ou talvez apenas a vontade, de a transformar novamente em proximidade humana. Não exige grandes planos, apenas disponibilidade. Exige que tiremos os olhos dos ecrãs, que desaceleremos por um instante e que reparemos sinceramente em quem caminha ao nosso lado.

A vila não perde a alma de um dia para o outro. Ela esbate-se quando deixamos de a cuidar e renasce quando decidimos, repetidamente, olhar o outro como alguém que faz parte da nossa história. Se dermos esse passo, deixaremos de ser apenas vizinhos que se cruzam. Voltaremos a ser pessoas que se reconhecem e é aí que a vida volta a acontecer.