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Viajei com o Pai Natal

Teresa Portal
Opinião \ quinta-feira, dezembro 22, 2022
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Era um homem gorducho, com um ar bonacheirão de muito boa pessoa, uns olhos risonhos e calorosos, que piscavam de boa-disposição, umas gargalhadas sonoras e uma enorme barriga. Idade… bem, idade indefinida.

Sentou-se ao meu lado no autocarro. Não sei em que paragem entrou. Embrenhada nos meus pensamentos, nada condizentes com a época natalícia que se aproximava, só o senti quando se sentou pesadamente no banco quase me esmigalhando contra a janela do autocarro apinhado em hora de ponta.

-Desculpa, minha flor, sou mesmo gordo, eu sei.

A piscadela do olho azul transmitiu-me a corrente de boa disposição e um calorzinho agradável começou a aquecer-me o coração e desceu até à pontinha dos dedos dos pés que tinha gelados. Era como se estivesse à beirinha de um aquecedor ou me tivessem colocado em cima um cobertor daqueles muito quentinhos, talvez até elétrico.

A viagem prosseguia lentamente pelas ruas cheias de trânsito, engarrafado nas principais avenidas da cidade.

- Este ano, as decorações são soberbas, não achas?

Um tom de voz baixo, profundo, agradável ao ouvido e sobretudo convidando a confidências. Não sei porquê mas tinha uma enorme vontade de falar, eu que sempre fui introspetiva, calada, tímida, reservada.

Não me lembro bem do que falámos, disto e daquilo, de tudo um pouco, de nada em especial. O Gaspar, como disse que se chamava, parecia ter o condão de adivinhar os meus problemas, as minhas angústias de adolescente e ia passando uma esponja sobre todas as minhas ansiedades, sobre todas as minhas angústias… Sentia-me muito mais leve, com vontade de rir, de ajudar os outros, de me sentir útil. Preenchi um formulário que me deu, onde me inscrevi como voluntária num centro de acolhimento de órfãos.

-Tens muito amor para dar e eles estão tão carentes! – disse-me com um daqueles estranhos sorrisos luminosos.

De repente, a viagem de regresso a casa, um pesadelo do meu dia a dia, transformara-se num encontro fantástico com uma pessoa fenomenal. Não queria que acabasse. E dei comigo a fazer a promessa de prestar uma maior atenção às pessoas de idade, por exemplo, aos meus avós.

Uma hora se escoara no tempo e fomos ficando sozinhos no autocarro. Sairíamos na mesma paragem? Não, infelizmente não, porque o senti levantar-se.

-Ana, tive muito gosto em conhecer uma jovem tão simpática. Aparece no centro. Vais gostar e, acima de tudo, vais sentir-te útil.

Senti-me triste quando saiu do autocarro. E senti um arrepio de frio. O meu cobertor desaparecera. Voltei os olhos na sua direção e foi então que ouvi um «Ho!Ho!Ho!» claro e nítido. Não queria acreditar. De mão no ar dizia-me adeus e ia jurar que tinha um fato vermelho vestido e que lhe vi umas longas barbas brancas.

«A tua imaginação não se cansa de voar!» dizia a minha mãe. O autocarro parou e preparava-me para sair, quando vi no assento, bem ao meu lado, um cartão de Boas-Festas assinado Pai Natal. Fantasia? Imaginação? O que quiserem!