Usar ou não Máscara: Eis a Questão
Caros leitores,
Escrevo-vos como cientista e bioquímico, mas acima de tudo como um Taipense, e que nesta fase, acata de bom grado as indicações de distanciamento social. Assim, tenho assistido ao desenrolar das medidas que o Governo Português tem adotado, para fazer face ao COVID-19, com muita esperança, apesar de pessoalmente achar, que algumas medidas pecaram por tardias. Este esforço enorme, tem sido pedido a todos os portugueses, os quais têm aderido, de uma forma heróica e solidária, e na maioria das vezes sem as questionar. As implicações são tremendas para todos, e numa altura, em que todos precisamos de todos, custa-me perceber, como é que os cientistas portugueses não foram ainda chamados para se fazerem ouvir. O governo tem a obrigação de zelar pelo bem da sua população, e acima de tudo INFORMAR a mesma, e de forma correta e clara, sobre as medidas que irão ser implementadas, e qual o papel que a população deve ter nesta luta. Mas, não me vou desviar do tema que me trás aqui.
Todos temos de ficar em casa, mas quando tivermos de sair, como deveremos proceder? Usar ou não a máscara.
A DGS tem vindo a divulgar que o uso generalizado de máscaras por toda a população não é eficaz, e deve ser apenas utilizado pelos profissionais em ambiente clínico e pelos pacientes positivos para COVID-19. A DGS argumenta ainda que o seu uso pode dar uma falsa sensação de segurança, e o seu mau uso, por parte dos portugueses, pode culminar em benefício nulo.
Se por um lado, deveremos disponibilizar todos os recursos necessários para os nossos profissionais de saúde, não podemos de uma forma errática desinformar a população, para atingir este objetivo.
Esta abordagem e justificação é simplesmente desonesta e no mínimo lamentável!
Entre as medidas que um governo deve tomar, a informação e educação nestes aspetos é fundamental, mas acima de tudo ouvir os especialistas na matéria. A DGS deveria sim, desde já, passar várias mensagens claras, corretas e educativas (TV, jornais, etc) de como usar máscaras e luvas, entre outras. Mas deve também informar como é que a população deve atuar face á impossibilidade de acesso a este tipo de equipamento de proteção.
Esta luta contra o COVID-19 durará longos meses ou mesmo anos, sendo solucionável apenas quando conseguirmos desenvolver uma vacina. Esta luta contra o COVID-19, não se fará apenas ficando em casa, mas quando tivermos de sair, para além do distanciamento social, temos todos de diminuir a carga vírica que poderemos receber e transmitir. Esta questão é particularmente preocupante em pessoas positivas e assintomáticas, que poderão sem saber, contagiar outras. Os números não enganam, em média um doente com gripe pode contagiar algumas dezenas de pessoas, a título de exemplo. Os doentes COVID-19 podem contagiar milhares. Acresce o nosso grande desconhecimento do modo de atuação, a elevada contagiosidade e mutabilidade do COVID-19, e variabilidade das taxas de infeção (varia paciente para paciente). Uma incerteza importante, prende-se com o desconhecimento sobre se o COVID-19 pode ou não, ser transmitido através do ar. Um estudo realizado no Japão mostrou que a quantidade de microgotículas expelidas através do espirro/tosse, podem ficar em suspensão até 20 minutos. Não sabendo nós, se será suficiente ou não para provocar a infeção através destas microgotículas, resta-nos tomar todas as medidas preventivas que estejam ao nosso alcance.
Os estudos científicos sobre o uso de máscaras de proteção são vastos, mas cito o trabalho de Davies et al (2013) “Testing the efficacy of homemade masks: Would they protect in an Influenza Pandemic?” (Disaster Med Public Health Preparedness. 2013; 0: 1-6). Este trabalho investigou a ação protetora de máscaras caseiras quando comparadas com as máscaras comerciais. Vários materiais domésticos foram avaliados quanto à capacidade de bloquear aerossóis bacterianos e virais. Vinte e um voluntários saudáveis fizeram as suas próprias máscaras recorrendo a camisas de algodão. Os resultados mostraram que o número de microrganismos isolados da tosse de voluntários saudáveis usando máscara caseira, máscara cirúrgica ou sem máscara foi comparado usando várias técnicas de amostragem de ar. Ambas as máscaras reduziram significativamente o número de microrganismos expelidos pelos voluntários, embora a máscara cirúrgica tenha sido três vezes mais eficaz no bloqueio da transmissão do que a máscara caseira. Apesar disso, os resultados foram conclusivos, sugerindo que uma máscara caseira deve ser considerada apenas como último recurso para evitar a transmissão de gotículas de indivíduos infetados, mas seria melhor do que nenhuma proteção.
Assim, como cientista aconselho ás autoridades a reverem as indicações anteriores sobre o uso de máscaras, e recomendo que as mesmas sejam usadas pela população, sejam elas comerciais ou para quem não tenha acesso a estas, as máscaras caseiras.
Termino agradecendo a todos os portugueses, em particular aos profissionais de saúde, pela coragem e resiliência, nestes tempos de incerteza. Não é tempo de “ses”. Como seria se tivesse ficado em casa. Fiquem em casa, e salvemos vidas.
Como seria se tivesse usado máscara. Se tiverem de sair de casa, não hesitem e usem máscaras, mesmo que sejam caseiras.